Participantes de audiência pública realizada nesta terça-feira (24), na Câmara dos Deputados, para discutir o Atlas da Violência 2016 apontaram a existência de um genocídio de jovens negros no Brasil. O estudo, divulgado em março pelo Instituto de Pesquisa Econômica aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), revelou que o Brasil atingiu em 2014 o maior número absoluto de homicídios no mundo (59.627 mil mortes).

O técnico do Ipea Daniel Cerqueira destacou que esses homicídios atingem principalmente determinada classe social: “São jovens, negros, de baixa escolaridade (até sete anos de estudo), que são mortos, em sua maioria, nos finais de semana”. Ele acrescentou que a violência brasileira está concentrada em bairros pobres onde políticas públicas são relegadas.

O professor de História e Sociologia da rede pública estadual de São Paulo e membro do Conselho Geral da UNEafro-Brasil, Douglas Belchior, afirmou que o Brasil ainda não enfrentou o problema do racismo como estrutura de repressão. “As políticas de segurança pública sempre foram pautadas pelo ódio aos negros, a partir da hegemonia racial branca no Estado, que perpetuou o genocídio”, argumentou.

As declarações dos especialistas foram feitas em reunião promovida pela comissão especial que analisa o Projeto de Lei 2438/15, que cria o Plano Nacional de Enfrentamento ao Homicídio de Jovens, com duração de dez anos, a ser coordenado e executado por órgãos do governo federal responsáveis por programas ligados à juventude e à igualdade racial. A proposta foi apresentada no ano passado, ao término dos trabalhos de uma CPI que investigou casos de violência contra jovens negros e pobres no País.

Ministério da Justiça

Os participantes também criticaram o governo interino de Michel Temer, em especial o novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo. Para Belchior, Moraes foi escolhido por ser “bruto”. “Quem é esse cara? No último ano, ele fez explodir o número de mortos por policiais. Só em São Paulo capital, foram 412 casos em 2015”, apontou.

A fundadora do movimento Mães de Maio, Débora Maria da Silva, cobrou que a nova secretária de Direitos Humanos, Flávia Piovesan, garanta que os assassinatos de mais de 600 pessoas, principalmente jovens negros moradores da periferia em maio de 2006 em São Paulo, sejam analisados pelo Executivo federal, e não na esfera estadual. “Espero que a secretária enfrente a federalização dos crimes de maio. A União não pode se omitir, porque a punição exemplar faz com que a gente barre a rajada das metralhadoras”, comentou.

O movimento foi uma resposta de mães a essas mortes, praticadas por grupos de extermínio com participação de agentes do Estado em resposta a ataques da organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Flávia Piovesan coordenou uma comissão no âmbito da Presidência da República para examinar o caso e pediu o desarquivamento dos processos que ainda não foram solucionados pela Justiça.

Movimento negro

O presidente da comissão, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), defendeu a aprovação das propostas apresentadas pela CPI do extermínio de jovens negros. Ele ressaltou, no entanto, que, com o perfil conservador do atual Congresso, os textos só passarão com o apoio da sociedade civil, em especial dos ativistas negros. “Se o plano der certo, vamos preservar 600 mil vidas em dez anos. Nesse sentido, o movimento negro precisa incorporar a matéria à sua agenda”, sustentou.

Já o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG) pediu que os policiais militares também participem da discussão para redução efetiva das mortes. “O esforço é ter a convergência mínima dos trabalhadores que executam essa política de Estado, a fim de conseguir a redução de homicídios.” Ele reconheceu discordar de boa parte das considerações dos debatedores, mas afirmou que a estatística sobre a morte de jovens negros e pobres “é verdadeira e fria”.

ÍNTEGRA DA PROPOSTA:

 

Fonte: Agência Câmara