A Lei 13.467, que alterou a legislação trabalhista, “abriu as portas do inferno”, segundo o diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, um dos participantes de debate promovido nesta quinta-feira (30) pela Fundação Fernando Henrique Cardoso, em São Paulo.
Trata-se de um assunto “que não está pacificado”, conforme lembrou o superintendente da fundação, o cientista político Sergio Fausto. Em sua argumentação, Clemente afirmou que se trata de regular relações sociais de produção – em busca de um padrão de desenvolvimento –, como no pacto feito após a 2ª Guerra Mundial, que pressupõe empresas e sindicatos fortes.
“Estamos mexendo nesse acordo. É uma decisão estúpida que fizemos com os trabalhadores, com as empresas e com o Estado brasileiro”, disse Clemente. “Excluímos de 50 a 60 milhões de brasileiros do acesso à previdência. Os parlamentares decidiram sem saber o impacto disso.” Parte dos criadores da lei, acrescentou, vê o trabalhador apenas como “insumo”.
Ele citou ainda a Medida Provisória (MP) 808, editada para “compensar” itens da lei recém-aprovada. Quinze dias depois de implementada a lei, a MP recebeu um número recorde de 967 emendas parlamentares, incluindo a base aliada, conforme lembrou Clemente. “Não tem nada de errado com essa lei? Como é que o empresário vai se sentir seguro de aplicar essa regra?” Para o diretor técnico, o melhor a fazer seria chamar representantes dos trabalhadores e dos empresários e discutir um novo modelo, inclusive do ponto de vista do capital. “Não consigo enxergar (na lei) alternativa de ganhos de produtividade.”
Professor da Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), André Portela, favorável à lei, acredita que as mudanças atacam vários problemas do mercado de trabalho, permitindo ganhos dos dois lados e possibilitando redução de custos. Ele faz ressalvas na regulação, para que não surjam “efeitos perversos”, como um maior número de trabalhadores não protegidos.
O dilema, diz Portela, é combinar a proteção do trabalhador com as desejadas eficiência e produtividade. Mas a lei poderá proteger o empregado de ações arbitrárias e permitir uma relação mais estável, segundo ele. “É oportunidade para um grande diálogo”, afirmou o professor.
O advogado e consultor empresarial Eduardo Pastore também defendeu a nova lei, observando que apenas alguns direitos poderão ser negociados diretamente. “Não existe retirada de direitos. Não só não retira, como amplia. A lei protege o emprego, não só o empregado. Vem trazer clareza e previsibilidade para as normas jurídicas”, sustentou.
Para Pastore, a Lei 13.467 tem como “novidade” a proteção não só do trabalhador, mas também do processo produtivo. “Quem paga por isso?”, disse, referindo-se aos direitos trabalhistas. Mas ele ressalvou que, sozinha, a lei não acaba com a insegurança jurídica. “Acredito que 70% dos problemas jurídicos de uma empresa são problemas de gestão, principalmente gestão de pessoas. Precisamos ir além da lei. Parte da segurança vai depender de como ela será aplicada.”
Asfixia
O presidente da CTB, Adilson Araújo, chamou a lei de “maior retrocesso da nossa história no campo das relações trabalhistas”, sob pretexto de se criar empregos, e disse que o clima de “guerra” não favorece ninguém. “Trabalhadores e empresários podem se sentar à mesa e constituir um verdadeiro Conselho Nacional do Trabalho”, sugeriu. Muitos desses temas foram discutidos no Fórum Nacional do Trabalho, no início do primeiro governo Lula, e transformados em projetos, cuja tramitação não foi adiante. “Ficamos devendo”, disse o sindicalista.
Segundo ele, outras reformas deveriam ser feitas antes da trabalhista, como a tributária, a judiciária e a política. Na área de relações de trabalho, algumas premissas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) deveriam ser observadas, como a igualdade de oportunidades e salário digno. Aprovar uma reforma “a toque de caixa” traz dificuldades, afirmou, criticando outros aspectos das mudanças. “Não seria o melhor dos mundos a opção pela asfixia do movimento sindical.”
O sindicalista identifica uma “crise profunda do capitalismo”, lembrando que o mundo, segundo a OIT, deverá fechar o ano com 210 milhões de desempregados, além de 70 milhões de refugiados. Por isso, questiona quais são as reformas efetivamente necessárias. “O Brasil reclama a retomada da produção industrial, dos grandes investimentos”, afirmou.
Ele criticou vários itens da nova lei, como o trabalho intermitente (“Institucionaliza o trabalho análogo à escravidão”) e a representação no local de trabalho sem participação sindical, além do fim da ultratividade (princípio pelo qual normas do acordo coletivo são mantidos mesmo depois do prazo, até a renovação do contrato). Para Adilson, possíveis consequências da reforma serão maior precarização e aumento da desigualdade. “Não vamos ter uma nação competitiva se não formos capazes de desenvolver suas forças produtivas”, disse Adilson.
Para Clemente, do Dieese, qualquer alteração legal precisa ser feita pela via da negociação para se ter legitimidade. “Essa mudança não foi feita com base no compromisso. Foi uma imposição”, criticou. Ele se mostrou favorável, como propôs o presidente da CTB, à criação de um conselho de acompanhamento das relações de trabalho. “Essa regra aumento o conflito. Sugiro que nós recuperemos o diálogo como forma de entendimento.” O outro caminho seria atravessas as portas às quais ele se referiu: “Ninguém voltou para contar como foi”.
Fonte: RBA