Retirado recentemente de uma gaveta qualquer da Câmara dos Deputados, embora já fosse bastante conhecido no Supremo Tribunal Federal como “foro especial por prerrogativa de função”, o foro, na vida real, ganhou o nome de “foro privilegiado”. Talvez como vingança da população, este nome expõe um dos maiores protetores de privilégios no País, inserido no Código de Processo Penal.
A regra desse “foro privilegiado” separa o joio do trigo. Nele está a diferença entre os dois Brasis. Um Brasil de cima, rico, e um Brasil de baixo, pobre, identificado pelo poeta-trovador Patativa do Assaré.
Parece uma observação puramente provocativa. Em caso de dúvida, consulte o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, autor desta constatação corajosa: “O foro privilegiado serve para proteger amigos e perseguir inimigos e é uma jabuticaba que apodreceu”.
No país de baixo já existiram, em tempo não muito distante, os que sem emprego e sem carteira de trabalho eram presos por vadiagem. Fosse assim hoje, seriam trancafiados quase 13 milhões de desempregados.
Isso demorou, mas acabou, embora ainda persista o esquecimento de que todos são iguais perante a lei. Será assim enquanto todos os presos, ricos e pobres, não entrarem no camburão da polícia com a mesma indignidade.
É o “foro privilegiado”, e não o “foro especial”, o carimbo que, com muita resistência, agora se discute no Congresso e no Supremo. O que será apenas mudado ou expurgado desse horroroso privilégio? Ele marca a diferença entre milhares de cidadãos de um lado e milhões de cidadãos do outro lado.
Mantida esta situação, persiste na sociedade o sentimento diferenciado de impunidade. É o que agora deve ser discutido.
O confronto pode ser identificado mais ou menos assim: há cerca de 50 mil brasileiros privilegiados, julgados separadamente em cortes especiais, como, por exemplo, juízes, parlamentares e procuradores, entre outras funções, e a massa da sociedade atendida em outras instâncias, de forma lenta e sofrida.
Sérgio Cabral, ex-governador do Rio, acordou azucrinado numa manhã dessas e se viu, mais um dia, enclausurado pelas grades da cadeia de Benfica, no subúrbio carioca. Irritado, estava disposto a defender o direito de cativo negado a ele. Para tanto,
Cabral reativou a presença dele no Facebook e lá defendeu a necessidade de ser levado para um presídio que abrigue detentos com diploma de ensino superior e “naturalmente” com “melhores condições que os demais”.
A lei foi feita para alguns. Cabral invocou o que, efetivamente, tem direito como “preso especial”, segundo o Código de Processo Penal. É difícil, muito difícil, acabar com privilégios e fazer o País avançar.
Mudança no Brasil tem sido assim: com a vagareza de charrete.
Por: Mauricio Dias
Fonte: Carta Capital