A GLOBO AVIAÇÃO é uma empresa familiar que cobra valores até 50% mais baratos do que a concorrência. O segredo dos preços competitivos consiste em decolar com aviões “piratas”, que não poderiam ser alugados para transportar passageiros por estarem em situação irregular.
Uma aeronave é considerada ilegal quando o proprietário comercializa voos fretados sem a devida liberação junto à Anac, a Agência Nacional de Aviação Civil. Assim, não pode vender passagens aéreas. Como a agência exige uma série de certificados de manutenção para autorizar o transporte público de passageiros, um dos principais riscos para o usuário é a possibilidade de acidentes por falta de manutenção – caso da noiva que morreu a caminho do casamento quando seu helicóptero caiu no interior de São Paulo, em 2016. No mercado pirata, ao contrário do táxi-aéreo regularizado, nem a aeronave nem os pilotos estão sujeitos a fiscalização periódica.
À frente da Globo Avião, está uma família de políticos de Goiânia. As donas são as irmãs Ana Flávia Azeredo Coutinho Abrão Siqueira e Alessandra Azeredo Coutinho Abrão, filhas do ex-deputado federal Pedro Abrão Júnior e parte do clã Abrão, que abrange senadores e deputados, incluindo uma parlamentar que participou da elaboração da última Constituição.
Pedrinho Abrão, como é mais conhecido, tem histórico de problemas com a lei. Em 1998, em seu último mandato, ele escapou de ser cassado por supostamente exigir suborno de empreiteiras para a liberação de recursos.
Apesar da ilegalidade e do risco de acidentes na Globo, sua prima, a constituinte e senadora goiana Lúcia Vânia, do PSB, contratou o serviço de táxi-aéreo da família ao menos oito vezes no ano passado. Foram R$70 mil em voos, pagos com dinheiro público, de acordo com a sua prestação de contas.
A senadora voou entre Goiânia e as cidades turísticas de Alto Paraíso e Cavalcanti, na Chapada dos Veadeiros, ao custo de R$7.989,75. Um trajeto mais curto, de Goiânia a Itapaci, no interior do estado, saiu por R$6.900. O mais caro custou R$13 mil, entre Goiânia e Crixás, também no interior.
No dia 1º de julho de 2017, a senadora postou uma foto no Instagram no aeroporto de Porangatu, no interior de Goiás. Ela havia feito o trajeto Porangatu-Goiânia com a Globo Aviação. Ao fundo, é possível ler em uma das aeronaves o prefixo PR-KAF. Parte da frota da Globo, o bimotor está registrado na Anac na categoria “serviços aéreos privados” . Ou seja, o avião só poderia ser usado pelo próprio dono em voos particulares, e não tem autorização para operar como táxi-aéreo.
Outro cliente da Globo é o sobrinho de Pedro e Lúcia, o deputado federal Marcos Abrão, do PPS goiano – que inclusive aparece na foto da tia. Quando precisou fretar um voo em junho do ano passado, também recorreu à empresa das primas. Pagou R$8.800 pelo trajeto Goiânia/Mairipotaba/Goiânia no mesmo jatinho PR-KAF, como mostra nota fiscal do voo obtida pela reportagem.
Enxame de “tacas”
Há uma invasão de voos fretados operando de forma ilegal no país, de acordo com o comandante Domingos Afonso de Deus, diretor-geral da Associação Brasileira de Táxis Aéreos. A modalidade tem até apelido: “tacas”, uma corruptela para táxi-aéreo clandestino. “Estimamos que aproximadamente de seis a sete de cada dez voos são irregulares”, diz.
Enquanto um voo regular custa em torno de R$2.400 por hora, o pirata sai por R$1.700, cerca de 30% a menos. Às vezes, até mais, estima Rafael Dylis, diretor comercial da Helimarte, uma das principais operadoras de táxi-aéreo de São Paulo.
Outra questão que diminui os valores dos “tacas”, lembra Dylis, é a qualificação dos pilotos. Muitas vezes tratam-se de pessoas que estão aprendendo o ofício e voam até de graça para acumular experiência.
Queridinha dos políticos goianos
A senadora Lúcia Vânia e o deputado Marcos não são os únicos a recorrer aos tacas da família Abrão. Um dos parlamentares que mais voa com a Globo Aviação é o pré-candidato ao governo de Goiás, Daniel Vilela, do MDB. Ele é filho do ex-governador e ex-prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela. Apenas em agosto do ano passado, ele gastou R$37.455 em voos piratas.
Em julho, pagou R$18.500 no trajeto Goiânia/Aruana/Novo Brasil/Santa Fé de Goiás/Santa Terezinha/Catalão/Goiânia. A aeronave usada é dona do prefixo PT-SNC. Mais do que não ter autorização para fazer táxi aéreo, o bimotor está sem permissão para voar devido a um acidente, além de ter a inspeção anual de manutenção vencida.
Em 30 de setembro, o avião fez um pouso forçado em São Luís de Montes Belos. Entre os passageiros estava o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás, José Mário Schreiner.
Nos bastidores, Vilela articula apoio a sua candidatura com o ministro das Cidades, Alexandre Baldy, também ele um cliente da Globo Aviação. Em maio de 2017, o ministro, na época deputado federal pelo PP goiano, pagou R$ 5.908 para ir e voltar da capital do estado até Brasília no bimotor PR-KAF. A mesma viagem em uma aeronave com autorização para operar como táxi-aéreo sairia por R$ 12 mil, 103% a mais, conforme orçamento solicitado pelo The Intercept.
Nesta quarta, flagramos o mesmo PR-KAF aterrisando no aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia, por volta das 9h. Não sabemos se o avião carregava passageiros que compraram tíquetes – isto é, se atuava como táxi-aéreo – ou se transportava pessoas de forma privada, uma vez que a empresa é obrigada apenas a informar o número de passageiros à torre de controle. Na Anac, a aeronave seguia registrada na categoria “serviços aéreos privados”.
Todas as notas fiscais dos voos ilegais estavam anexadas às prestações de contas online dos parlamentares, divulgada pela Câmara dos Deputados.
Em resposta ao The Intercept Brasil, a Globo Aviação não comentou se de fato vende voos em aeronaves particulares como táxi-aéreo e se limitou a dizer que, como não teve acesso às notas fiscais, “desconhece o teor da matéria e de sua intenção”.
Foto em destaque: Avião da empresa Globo Aviação pousa no aeroporto em Goiânia.
Fonte: The Intercept Brasil
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