Em meio ao debate do impacto das chamadas fake news (notícias falsas, em inglês) na formação da opinião política, às vésperas de uma das eleições gerais mais importantes e polarizadas da história do Brasil, o Facebook retirou do ar, nesta quarta-feira (25), quase 300 páginas e perfis, a grande maioria ligada à comunidade virtual Movimento Brasil Livre (MBL). Somadas, as páginas desativadas tinham mais de meio milhão de seguidores.
A ação da empresa estadunidense foi aplaudida por alguns setores da esquerda e criticada por outros, que consideram a ação uma forma de censura perigosa, que também pode atingir a liberdade de expressão dos meios independentes.
Em paralelo, o MBL acusa o Facebook de perseguição à direita, anunciou que pretende tomar medidas que gerem “consequências exemplares” à empresa e realizou uma manifestação em frente à sede em São Paulo.
Já o procurador-chefe da Procuradoria da República de Goiás, Ailton Benedito, que ficou conhecido no passado por criticar o que chama de “militantes esquerdopatas”, o feminismo, e relacionar o nazismo à esquerda, cobrou justificativas da empresa para a exclusão das páginas, que devem ser dadas no prazo de 48 horas.
Em um comunicado publicado no mesmo dia da remoção das páginas, o Facebook afirmou que a ação fez parte de um esforço para agir contra pessoas “mal intencionadas” que “violam os Padrões da Comunidade”, por meio, principalmente, do anonimato. As páginas removidas, segundo a empresa, representavam “uma rede coordenada que se ocultava com o uso de contas falsas e escondia das pessoas a natureza e a origem de seu conteúdo com o propósito de gerar divisão e espalhar desinformação”.
Legalidade disputada
No entanto, para a advogada Flávia Lefevre, representante do terceiro setor no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), a ação é ilegal, porque interpreta como anonimato, vedado no artigo 5 da Constituição Federal Brasileira, o que na verdade seriam “pseudônimos”, permitidos pelo Código Civil.
“Na internet, o Marco Civil obrigou que provedores de conexão e de aplicações, como é o caso de Facebook, guardem determinadas informações a respeito de seus usuários. Então se eu criar um perfil alternativo com um pseudônimo, eu não estou anônima, porque se eu postar alguma coisa abusiva, ilegal, discriminatória, eles têm como me identificar. Não existe anonimato na internet. Estão confundido com pseudônimo”, afirmou.
Lefevre destaca que no lugar do que considera uma censura, a forma de lidar com os perfis falsos nas redes é por meio de processos legais.
“Me incomoda muito ver as manifestações, principalmente com inverdades, por parte da direita. Porém, existem mecanismos legais para resolver isso. Não há lugar melhor para julgar essa questão do que o Poder Judiciário, não porque ele está isento de errar, mas porque foi o espaço que escolhemos para tanto, e temos que respeitar as instituições neste momento”, afirmou.
Já na opinião do jornalista Leonardo Sakamoto, que também estuda o anonimato e as notícias falsas na internet, a recente ação do Facebook não infringe, necessariamente, a lei brasileira, e pode trazer benefícios.
“Essa regra especialmente não entra em conflito pura e simplesmente com a Constituição brasileira. Eu acho a consequência dela positiva. Eu não defendo nem ataco a decisão do Facebook, mas sou muito crítico ao anonimato, porque a forma como ele acontece na rede, é usado para ferir ou causar dor e sofrimento a muita gente. O ganho que se tem com a preservação do anonimato atrás de um perfil de rede social é muito menor do que a perda coletiva que se tem por isso”, afirmou o jornalista, que é vítima constantes de ataques e ameaças de morte de perfis anônimos nas redes.
Já para o sociólogo Sérgio Amadeu, um dos principais especialistas em internet e privacidade no Brasil, a ação do Facebook é autoritária e truculenta.
“É preciso assegurar a lei: remoção de conteúdo só com ordem judicial, porque quando eles chamavam Lula e Dilma de várias coisas não procedentes, não se incomodaram. Óbvio que o MBL é uma página neofascista, não é essa a discussão, e sim que o Facebook é uma plataforma opaca que faz o que quer. Não controlam as páginas dos soldados da Rota, as páginas que dissipam discurso de ódio. Eles escolheram uma agremiação, no caso o MBL, dizendo que estão eliminando robôs. Eles estão agindo seletivamente”, afirmou.
Fake News
A recente moderação do Facebook vem em conjunto com uma leva de ações para restringir as chamadas notícias falsas, como a parceria da empresa com duas agências brasileiras de Fact Checking. Para Amadeu, é inaceitável que empresas privadas se coloquem como árbitras do que deve ou não ser publicado nas redes.
“A discussão eleitoral vai acontecer pelo Facebook, com a empresa dizendo o que é correto e o que não é. Isso não dá. A próxima porrada vai vir em cima da esquerda. Eu tenho opiniões e o Facebook não pode retirá-las, desde que não violem a lei, porque as considera extremas. Estamos em uma situação muito perigosa, não dá para abrir mão para o achismo de que o Facebook é uma plataforma neutra. Há uma linha norteamericana de financiamento de agências de Fact Checking, que trabalham para a elite econômica brasileira, que está organizando a pauta”, afirmou.
De acordo com Flávia Lefevre, a onda das fake news no país é incentivada pela grande mídia como uma forma de difamar páginas do jornalismo alternativo.
“Acho que os fatos estão todos sujeitos à versões. Para mim, essa alegria da mídia tradicional em ter encontrado esse gancho das fake news para atacar os discursos feitos à internet, é uma reação ao poder que a internet dá aos cidadãos comuns que não partilham de suas ideologias. As empresas de mídia, muitas ligadas a políticos, se enfraquecem muito com o poder de contra-narrativa que a internet nos dá”, afirmou.
Lefevre destacou casos em que a Rede Globo já assumiu que veiculou ou deturpou notícias, mas não foi penalizada por isso: a manifestação pelas Diretas Já, em 1984, que a emissora transmitiu como sendo uma comemoração do aniversário da cidade de São Paulo, e a edição do debate entre os candidatos à presidência Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, em 1989.
Fonte: Brasil de Fato