Quando você tem dinheiro de sobra, pode gastar sem maiores preocupações. Quando está quebrado, precisa escolher. Primeiro, dispensa o que é supérfluo. Se não bastar, corta o que é importante mas não essencial. Pode ser que, depois, tenha de sacrificar algo que considere imprescindível.
No vermelho desde 2014*, o governo federal faz escolhas assim todo ano, no cabo de guerra do Orçamento. Alguns desses dilemas vieram à tona nos últimos dias. Cito dois casos:
1) Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram nesta quarta-feira (8) a proposta de reajustar em 16,38% seus próprios salários em 2019. Se o projeto, que já passou pela Câmara, for aprovado no Senado e sancionado por Michel Temer, o vencimento bruto passará de R$ 33.763 para R$ 39.293, fora auxílios.
2) Ameaçada de corte de verba, a Capes, uma fundação do Ministério da Educação, disse que precisaria suspender, a partir de agosto de 2019, até 198 mil bolsas para pesquisadores e estudantes de pós-graduação e também bolsistas que pesquisam e lidam com educação básica.
Logo voltaremos a esses pontos. Antes, vale explicar o que o governo faz quando está na pindaíba. O mais fácil é seguir a lei: pagar as despesas obrigatórias – Previdência Social e salários do funcionalismo são as maiores – e reduzir as demais, chamadas “discricionárias”, como as obras públicas. O Planalto está nessa faz tempo. E vem sacrificando coisas importantes. A questão é que, como os gastos discricionários já são menos de 10% do total, hoje em dia há pouco para cortar. Não estranhe se em 2019 ou 2020 o governo deixar de pagar a conta de luz dos ministérios – que é despesa discricionária.
Você pode até discordar da classificação de certas despesas como “obrigatórias” ou “não obrigatórias”. Mas, para mexer nesse quadro, só mudando a própria legislação. O problema é que, historicamente, o Congresso prefere ampliar a lista de obrigatórias e empurrar para o Executivo o papel de Mãos de Tesoura. E, com alguma frequência, o próprio presidente da República toma a frente e dá uma de generoso – usando um dinheiro que não é dele, claro.
Retomando. As bolsas da Capes não são despesas obrigatórias. Ruim para quem depende delas, portanto (os bolsistas, a ciência, a educação…). O pagamento dos salários do STF, por sua vez, é compulsório. Mas eles não precisam, obrigatoriamente, ser reajustados todo ano. Tanto é que não subiram em 2016, 2017 e 2018.
A presidente da Corte, Cármen Lúcia, batalhava contra o aumento. O ministro Ricardo Lewandowski militava a favor. No fim, o placar foi de 7 a 4 pelo reajuste. Eles e seus colegas sofreram pressão intensa de associações de juízes, procuradores e promotores, porque os salários dos ministros do STF são parâmetro para essas e outras carreiras, na União e também nos estados, além de servir de teto para os vencimentos de todo o funcionalismo federal.
O ministro Dias Toffoli argumentou que o aumento não vai elevar as despesas do Supremo, pois a Corte cortará outros gastos para acomodá-lo. Mas a verba para reajustar os salários de outros milhares de servidores que estão no topo do serviço federal e serão beneficiados pela alta do teto sairá, sim, dos cofres do Tesouro.
O governo não precisa escolher entre os bolsistas da Capes e os juízes. Pode sacrificar outros grupos, se quiser. Mas vamos supor que a escolha fosse exatamente essa. Os números a seguir poderiam ajudar na decisão.
– Até janeiro de 2019, a inflação acumulada desde o último reajuste dos salários no STF (em janeiro de 2015) será de 26,1%, segundo números do IBGE e projeções do mercado. Quando a alta de 16,38% foi proposta pela primeira vez em projeto de lei, ainda em 2015, a justificativa para o reajuste era a reposição de perdas inflacionárias acumuladas nos seis anos anteriores. Com base nisso, pode-se dizer que a defasagem salarial dos ministros da Corte passa de 40%.
– No intervalo 2015-2018, o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro terá encolhido 4,6% (caiu 3,6% em 2015 e 3,5% em 2016, subiu 1% em 2017 e deve fechar 2018 com alta de 1,5%, segundo as previsões do mercado). Em outras palavras, a economia brasileira estará menor no início do ano que vem do que estava na data do último aumento salarial do Supremo, o que teve e tem efeitos muito conhecidos sobre a arrecadação federal.
– O reajuste no STF não beneficia apenas seus 11 ministros. Há um “efeito cascata” sobre todas as carreiras que têm salários vinculados aos do Supremo. Pelos cálculos da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado, o impacto do reajuste na União será de R$ 1,22 bilhão por ano. Nos estados, chegará a R$ 2,63 bilhões.
– Em valores absolutos, o corte na verba da Capes pode chegar a R$ 580 milhões, segundo se deduz de um ofício que o Ministério da Educação enviou à fundação dias atrás. Mais recentemente, o ministro da Educação mudou de ideia e disse que as bolsas serão mantidas. Fato é que ainda não há definição: o Orçamento de 2019 segue em aberto.
Grosso modo, portanto, o gasto adicional gerado pelo reajuste no STF corresponderia ao dobro da economia com as bolsas da Capes. Mas quem define as prioridades é o governo…
*Como a arrecadação não cobre nem as despesas primárias, o governo tem de se endividar para bancar gastos correntes e, ao mesmo tempo, pegar empréstimos para pagar os juros das dívidas antigas. Apenas neste ano, o rombo será de R$ 159 bilhões, calcula o Planalto. Em 2019, R$ 139 bilhões. O governo vai entrar na próxima década nessa mesma toada. Em 2021, por exemplo, o próximo presidente estará no terceiro ano de mandato e a coisa ainda estará assombrosa, com um déficit estimado em R$ 70 bilhões.
Fonte: Gazeta do Povo