Em geral, o plenário da Câmara mantém o mandato do parlamentar denunciado. Retrospecto da Casa favorece Eduardo Cunha
Se depender do retrospecto das denúncias por quebra de decoro parlamentar julgadas pela Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem boas chances de manter o mandato. Desde a instalação do Conselho de Ética, em 2001, foram apreciadas 126 representações contra parlamentares. Em 20 desses casos, o órgão encaminhou ao plenário parecer pela cassação, que só foi confirmada seis vezes (4,8% do total).
Cunha é o primeiro presidente em exercício da Casa a ser denunciado. A representação apresentada na semana passada por Rede e PSol conta com a assinatura de 46 deputados de sete legendas diferentes. O material trata das denúncias de que ele recebeu US$ 5 milhões em propinas de contratos da Petrobras, enviados para contas na Suíça.
No histórico de cassações, a metade é relacionada ao mensalão – Pedro Corrêa (PP-PE), José Dirceu (PT-SP) e Roberto Jefferson (PTB-RJ), em 2005. As outras duas ocorreram no ano passado. Em 2004, André Luiz (ex-PMDB-RJ) perdeu o mandato pela acusação de extorsão do bicheiro Carlinhos Cachoeira. No ano passado, Natan Donadon (ex-PMDB-RO) foi cassado após ser condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por peculato, e André Vargas (ex-PT-PR), por negócios com o doleiro Alberto Youssef.
A tramitação dos processos de quebra de decoro tem três momentos decisivos. No Conselho, há uma votação inicial sobre a admissibilidade da representação e, posteriormente, sobre o mérito. Caso o parecer seja pela perda de mandato, a decisão segue para o plenário.
Último caso que resultou em cassação, o de Vargas durou nove meses ao todo – seis no Conselho, mais três para ser colocado em votação no plenário. Se o processo de Cunha repetir esse desempenho, só deve terminar de ser julgado em junho de 2016. E não há dispositivos que o obriguem a deixar o cargo de presidente durante esse período.
Ao longo dos últimos 14 anos, houve diferentes estratégias para escapar de cassações. De um modo geral, o que mais aflige denunciados e colegas é a combinação entre transparência e pressão da opinião pública. As votações no Conselho sempre foram abertas, o que só se estendeu ao plenário em novembro de 2013, com a aprovação da emenda constitucional que acabou com o voto secreto.
Até a emenda, os envolvidos em casos graves de corrupção jogavam as fichas no corporativismo sigiloso dos companheiros no plenário. No mensalão, 15 pedidos de cassação chegaram para a deliberação conjunta dos 513 deputados. Houve 12 absolvições.
O caso mais simbólico dessa lógica foi o de Donadon. Condenado a 13 anos de prisão, ele deixou o Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, para um primeiro julgamento pelo plenário em agosto de 2013. Na sessão, ainda secreta, 233 deputados votaram pela cassação do colega presidiário, 131 pela manutenção do mandato e 41 se abstiveram – como não se atingiu o mínimo de 257 votos, ele não foi cassado.
O resultado ampliou a pressão pela mudança na legislação e dois meses depois a emenda do voto aberto foi promulgada pelo Congresso. No segundo julgamento, aberto, Donadon foi cassado com 467 votos favoráveis e nenhum contra.
12 dos 15 mensaleiros
denunciados pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados foram absolvidos pelo plenário da Casa – num exemplo de como a tendência no Legislativo é por não punir os parlamentares.
Cunha perdeu disputa pelo comando do Conselho de Ética
O interesse do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), sobre o comando do Conselho de Ética começou sete meses antes de ser alvo de representação por quebra de decoro. Aliado de primeira linha do peemedebista, Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) disputou e perdeu as eleições internas para presidente e vice do órgão. Foi vencido, respectivamente, por João Carlos Araújo (PSD-BA) e Sandro Alex (PPS-PR).
Nos bastidores, o confronto era tratado como uma preparação do terreno para o possível julgamento de 22 deputados investigados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobras – dentre eles, Cunha. “Sou novato no Conselho, mas percebi que aqui dentro a lógica política é diferente das demais comissões ou até do plenário. O conselheiro decide muito mais por si do que pelas ordens do partido”, diz Sandro Alex.
Na prática, tanto o PT quanto o PSDB ou até o PMDB não têm como blindar Cunha. Das 21 cadeiras titulares do colegiado, os petistas têm três, os tucanos e os peemedebistas duas cada. Além disso, um dos pontos decisivos para o futuro de Cunha é a escolha do relator, feita pelo presidente a partir de uma lista tríplice selecionada por sorteio.
Estão fora do sorteio os dois representantes do PMDB, partido de Cunha. Araújo prometeu fazer a escolha no dia 27 de outubro. “Eu não faço questão de ser relator, até porque tenho outras tarefas”, adiantou o segundo representante do Paraná no Conselho, Ricardo Barros (PP).
Ex-deputada federal, Rosane Ferreira (PV-PR) atuou no órgão durante o processo de cassação contra André Vargas (ex-PT-PR). Segundo ela, o andamento do processo depende da vontade do relator de levar o trabalho adiante. “Cansei de comparecer às reuniões durante a campanha e só encontrar o Júlio Delgado (PSB-MG, relator do caso Vargas)”, diz.
Segundo ela, o regimento do Conselho permite uma série de artimanhas para esfriar os processos. “Quando tem gente a fim de fazer a coisa não andar, aparece um pedido de vista daqui, uma falta de quórum de lá. E pelo que eu vi da lista dos atuais integrantes do Conselho, não posso dizer que fiquei otimista”, declara Rosane.
Fonte: Gazeta do Povo