Em um caso que pode referendar ou refutar uma das principais premissas da reforma trabalhista, o Supremo Tribunal Federal (STF) vai decidir, em definitivo, se um acordo coletivo pode restringir ou limitar o acesso a direitos trabalhistas não previstos constitucionalmente. Por isso, há alguns dias o ministro Gilmar Mendes determinou que seja travada a tramitação de todos os casos que tratam do tema no país.

A decisão do Supremo vai afetar a sistemática de trabalhos dos tribunais na homologação de acordos, das empresas e principalmente dos sindicatos, cuja principal tarefa é negociar acordos.

Ainda não é possível saber o impacto da medida, pois nem o Tribunal Superior do Trabalho (TST) nem os tribunais regionais do trabalho conseguiram medir quantos processos serão afetados. Para advogados ouvidos pelo JOTA, o reconhecimento da repercussão geral do tema e a trava nas ações significa a promessa de segurança jurídica sobre a matéria, podendo até servir de baliza para decisões posteriores sobre a reforma trabalhista.

A ação (ARE 1.121.633) que será apreciada pelo plenário do Supremo é anterior à reforma de Michel Temer e trata da supressão do pagamento das horas in itinere – tempo de deslocamento entre a residência do funcionário e seu local de trabalho, quando de difícil acesso – em acordo coletivo, em troca de outros benefícios. O recurso envolve uma mineradora de Goiás.

Quando foi reconhecida, por unanimidade, a repercussão geral do caso, a tese foi expandida. Assim, o plenário do STF vai decidir, na verdade, a validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe qualquer direito trabalhista não assegurado constitucionalmente.

A decisão pela repercussão geral e pelo sobrestamento das ações similares trouxe esperança a advogados trabalhistas, já que esta será a primeira vez que o Supremo vai dar sua palavra em relação à negociação entre patrões e empregados de uma forma mais geral – mas ainda não há data para julgamento.

O precedente mais relevante do STF neste sentido é um julgamento de 2015, em que o plenário decidiu que é constitucional a renúncia genérica a direitos mediante adesão a plano de demissão voluntária. Porém, no caso de outras negociações, não há jurisprudência formada.

Ao determinar o sobrestamento, Gilmar Mendes citou a decisão do STF de 2015, em um recurso extraordinário de relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Para o relator, este precedente já vinha sendo aplicado nas decisões sobre negociação coletiva de direitos trabalhistas. Entretanto, quando o plenário virtual decidiu pela repercussão geral deste novo recurso há um mês, os ministros entenderam que o precedente não esgotava a análise sobre acordos coletivos.

Assim, Gilmar entendeu que o sobrestamento era essencial o risco de haver mais insegurança jurídica. “Uma vez recortada nova temática constitucional (semelhante à anterior) para julgamento, e não aplicado o precedente no plenário virtual desta Suprema Corte, existe o justo receio de que as categorias sejam novamente inseridas em uma conjuntura de insegurança jurídica, com o enfraquecimento do instituto das negociações coletivas”, argumentou Gilmar no despacho.

Individualmente

No Tribunal Superior do Trabalho (TST), casos como esses são comuns, e cada norma coletiva que negocia direitos não assegurados pela Constituição é analisado individualmente. Assim, há julgamentos em que a negociação é validade, mas há outros em que determinada norma que relativiza direitos é considerada inválida.

O próprio TST costuma mediar e homologar acordos coletivos entre grandes companhias públicas e privadas e sindicatos de trabalhadores, nos quais as duas partes negociam a manutenção ou não de benefícios e direitos em troca de outros. No ano passado, por exemplo, o TST homologou acordo entre a Vale e sindicatos de trabalhadores permitindo a supressão das horas in itinere em troca de um prêmio semestral. 

Assim, a decisão do Supremo, seja lá em qual sentido for, vai afetar a sistemática de trabalhos dos tribunais na homologação de acordos, das empresas e principalmente dos sindicatos, cuja principal tarefa é negociar acordos.

O advogado Daniel Chiode, sócio do escritório Chiode Minicucci, acredita que a ampliação da tese de repercussão geral em relação ao recurso que a originou foi justamente para decidir, de uma vez por todas, a validade de negociações coletivas. Em sua visão, mesmo com a previsão na Lei 13.467/2017 (a reforma trabalhista) das hipóteses em que o acordo se sobressai ao legislado, não há entendimento consolidado nas mais diversas instâncias da Justiça trabalhista.

“Mesmo com a reforma, que a gente achou que daria a segurança jurídica sobre os acordos, o Judiciário muitas vezes passou a restringir a aplicação das normas. A importância deste caso é decidir, de uma vez por todas, se o negociado vale ou não vale e vincular, em repercussão geral, esse entendimento. Vai parar com essa instabilidade de não saber se o Judiciário vai respeitar ou não a negociação coletiva”, diz Chiode.

A repercussão geral do caso foi reconhecida em maio, mas o sobrestamento das ações, porém, só veio no início desta semana, após o ministro relator do recurso Gilmar Mendes acolher pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que participa da ação como amicus curiae. Para a entidade, a suspensão das ações no país é importante para evitar decisões conflitantes.

“No momento em que você suspende as ações, evitam-se as decisões conflitantes, evita-se uma enxurrada de decisões que no futuro podem ser questionadas nos tribunais superiores e até mesmo no Supremo. Essa decisão do ministro Gilmar dá uma certa tranquilidade ao tribunal para efetivamente tomar uma melhor decisão”, diz Cássio Borges, advogado da CNI.

Na visão de Borges, a decisão pelo sobrestamento “acaba prestigiando a própria reforma trabalhista e a vontade do legislador” quando instituiu a reforma trabalhista. Isso porque, para o advogado, a reforma apenas seguiu uma premissa que já havia na Constituição Federal de fazer acordos e convenções coletivas nas empresas.

“Os artigos 611 A e B da CLT [introduzido pela reforma] já dispõem aquilo que pode e o que não pode ser objeto de cláusula coletiva. O legislador enumera os direitos que podem ser negociados, mas a própria Constituição já prevê isso. No recurso do Supremo, trata-se de uma questão constitucional, que antecede a reforma trabalhista. De certa forma, o ministro Gilmar quando suspende os processos e o reconhece a questão constitucional, está alinhado com a vontade do legislador de seguir a Constituição”, diz Borges.

Ainda não se sabe quantos casos serão sobrestados, pois o TST e os TRTs ainda estão alimentando o banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com os números. De segunda-feira até a manhã desta sexta-feira (5/7), foram incluídos 205 processos, mas a tendência é que este número aumente, já que poucos tribunais regionais do trabalho atualizaram os dados sobre o tema.

“Hoje, grande parte dos processos na Justiça do Trabalho versam sobre a falta de pagamento de verbas rescisórias. Mas, fora isso, em quase todos os outros processos há discussão sobre direitos garantidos coletivamente. Aqui no meu escritório, por exemplo, 75% dos processos discutem direitos negociados coletivamente”, diz Chiode.

Em dois outros escritórios trabalhistas de Brasília, as ações que questionam acordos e convenções coletivas giram em torno de 60% de todos os processos.

Para Chiode, é importante que o STF julgue o tema com celeridade, até para garantir a uniformização da aplicação da reforma trabalhista pelo país. “É importante que o Supremo decida bem e num tempo relativamente rápido”, opina.

“Agora, o STF vai julgar o tema justamente para evitar que a cada situação concreta ou a cada cláusula, essa discussão volte ao Supremo. A ideia é ter uma visão mais ampla, independentemente da cláusula negociada. Se o direito que está sendo negociado não tem uma garantia constitucional, ele pode ou não ser negociado? É isso o que o Supremo vai decidir de uma vez por todas”, diz o advogado da CNI.

FonteJota
Texto: Hyndara Freitas
Data original da publicação: 08/07/2019