“Meu marido me tortura psicologicamente e com ameaças. Tenho um filho de quatro anos. Quero ir embora, mas estou desempregada há dois anos, sobrevivendo de bicos. Hoje sofri uma humilhação terrível, sinto que vou explodir”, diz o pedido de ajuda publicado no aplicativo “Mete a Colher”, iniciativa criada no Recife por seis feministas em março de 2016.
Oferecido apenas para o público feminino, o aplicativo promove a sororidade ao conectar mulheres que precisam de ajuda e aquelas que podem dar um conselho ou auxílio. No aplicativo, disponível atualmente somente para o sistema Android, é possível pedir ou oferecer apoio emocional, orientação jurídica ou uma oportunidade de trabalho para aquelas que precisam de independência financeira para sair de relacionamentos abusivos.
O projeto nasceu em março de 2016, durante um evento de empreendedorismo na capital pernambucana, a partir do relato de uma ex-integrante do grupo no qual ela descreveu um pedido de ajuda de uma mulher que estava sendo agredida. O pedido veio por mensagem de áudio em um grupo do WhatsApp. Após pesquisas de campo, visitas à delegacia da mulher e entrevistas, o grupo criou a página Mete a Colher no Facebook.
“Com a página, passamos a receber muitos pedidos de ajuda de mulheres que sofriam abuso, todo tipo, não necessariamente só a agressão física. Muitas relatavam, por exemplo, que o namorado tinha muito ciúmes, ou que estavam se sentindo isoladas ou com a autoestima baixa”, explica Aline Silveira, 29 anos, designer e uma das co-criadoras do “Mete a Colher”.
Além dela, estão envolvidas no projeto a também designer Carol Cani, as desenvolvedoras Lhaís Rodrigues e Mariana Albuquerque, a publicitária Thaísa Queiroz e a jornalista Renata Albertim.
De acordo com a pesquisa Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha, a cada sete segundos uma brasileira é vítima de violência física. Além disso, metade (54%) dos brasileiros conhece ao menos uma mulher que já foi agredida pelo companheiro. Em 2016, foram 58 mil registros desse tipo captados pelos dados do Ligue 180, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Um dos aspectos que saltou aos olhos foi a falta de informação e a solidão experimentada por muitas mulheres na hora de decidir pedir ajuda.
“Percebemos que muitas tinham problemas sérios de falta de privacidade em suas redes sociais ou com o uso do celular. Assim, criamos um espaço para relatos anônimos, mais protegido do que uma rede social, um local de acolhimento para quem tem vergonha de falar para a família, para amigos ou pessoas próximas”, diz Silveira.
Ela explica que, para manter a privacidade de quem pede ajuda e de quem oferece o auxílio, não são expostos dados pessoais como a localização ou o sobrenome da vítima. “É tudo anônimo, mas dentro da conversa entre elas é possível se identificar ou oferecer o que desejarem”.
Após o envio, o pedido de ajuda anônimo é analisado pela moderação do aplicativo, que categoriza as solicitações em pedidos de apoio psicológico, jurídico ou busca de emprego. “Quem quer ajudar escolhe um pedido e responde. A partir daí, vira uma conversa privada, nem nós temos acesso ao conteúdo. A partir dessa conexão, as mulheres se ajudam”.
Além disso, a página no Facebook também publica informações educativas sobre violência de gênero e relacionamentos abusivos.
Um dos objetivos, conta Silveira, é justamente mudar o senso comum que dita que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”. “O app vem para quebrar a noção de que a violência doméstica é uma questão privada”, diz Silveira. “Os dados revelam que a violência de gênero não é um problema pontual. É um problema grande. A maioria dos feminicídios é pelas mãos do companheiro ou do ex. O assassinato é o último estágio, e por isso tentamos atacar o problema antes de ele chegar às últimas consequências”.
O grupo pretende lançar, até o segundo semestre deste ano, a versão do aplicativo também para o sistema iOS.
Fonte: Carta Capital