Entre 2007 e 2018, foram notificados 300 mil acidentes de trabalho entre crianças e adolescentes até os 17 anos e, no mesmo período, foram registrados 42 óbitos decorrentes de acidentes laborais na faixa etária dos 14 e 17 anos. Em 2017, cerca de 588 mil crianças com menos de 14 anos trabalhavam em atividades agropecuárias e 480 mil estudantes do 5º e 9º anos do ensino fundamental declararam trabalhar fora de casa. Foram identificados ainda 2.487 pontos como vulneráveis à exploração sexual comercial de crianças e adolescentes nas rodovias e estradas federais durante o biênio 2017-2018.
Essas são algumas das evidências trazidas pelo diversificado e vasto manancial de informações disponibilizadas pelo Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, lançado na quinta-feira (25/07), na Procuradoria Geral do Trabalho, em Brasília.
Os dados do novo Observatório são oriundos de repositórios públicos e oficiais integrantes do Sistema Estatístico Nacional, abarcando informações de pesquisas e levantamentos censitários do IBGE e das áreas da Educação, Saúde, Trabalho e Previdência Social, Justiça, e Assistência e Desenvolvimento Social. O diferencial da plataforma é a apresentação de todos esses dados de forma plenamente integrada, amigável e acessível para todas as localidades brasileiras que integram o pacto federativo.
De acordo com o procurador geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, “o Observatório é um poderoso instrumento de planejamento de ações no âmbito de políticas públicas de prevenção e erradicação do trabalho infantil”. Ele considera que “a integração de técnicas big data com mecanismos de análise de dados e métodos gestão do conhecimento potencializa a identificação territorial e das especificidades da exploração do trabalho de crianças e adolescentes, de modo que novos fluxos de informação fortaleçam atores públicos e privados que compartilham a responsabilidade de enfrentar esse desafio”.
Segundo o Diretor do Escritório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Martin Hahn, “a eliminação efetiva do trabalho infantil é um dos princípios que esteve na base da criação da OIT, em 1919, e que tem permanecido como um objetivo fundamental ao longo destes 100 anos. A ampliação da base de conhecimento sobre as especificidades do trabalho infantil é fundamental para a sua prevenção e erradicação e, portanto, o lançamento deste Observatório é um importante contributo para o cumprimento da meta 8.7 da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, particularmente no concernente à parte que abarca a eliminação das piores formas de trabalho infantil e, até 2025, acabar com o trabalho infantil em todas as suas formas”.
O Observatório conta com o apoio do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do IBGE, do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI) e de uma série de parceiros e colaboradores que publicaram dados em plataformas de dados abertos.
A Coordenadora Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente, Patrícia de Mello Sanfelici, observa que “o acesso aos dados relacionados ao trabalho infantil e à aprendizagem profissional de modo facilitado, organizado e concentrado em um Observatório é elemento fundamental para que as ações do Ministério Público do Trabalho (MPT), assim como de todos os órgãos que compõem o Sistema de Garantia de Direitos, possam encontrar seu melhor resultado e, assim, colaborar cada vez mais para a total erradicação desta profunda chaga social ”.
A iniciativa SmartLab de Trabalho Decente
O Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil foi concebido e desenvolvido no âmbito da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, uma cooperação entre MPT e a OIT, que opera por meio de um laboratório multidisciplinar de gestão do conhecimento com foco na promoção do trabalho decente no Brasil.
O procurador do Trabalho Luis Fabiano de Assis, coordenador da iniciativa SmartLab de Trabalho Decente, observa que “governos de todo o mundo produzem grandes quantidades de dados relevantes para políticas públicas, mas raramente esses dados se transformam em informações úteis à tomada de decisões.” Assis acrescenta que a iniciativa SmarlLab, nesse contexto, “surgiu para construir conhecimento relevante para políticas públicas de promoção do trabalho decente com o uso de um recurso público de baixíssimo custo: dados públicos abertos”.
Segundo Assis, a ideia da iniciativa SmartLab se funda no conceito de prática inteligente: “Por definição, uma prática inteligente (smart practice) aproveita uma oportunidade latente de gerar valor público gratuitamente ou com baixíssimo custo, de forma replicável e com recursos que em geral as organizações já possuem, no caso, dados e conhecimento a respeito de como utilizá-los”. Para construir os Observatórios, “a iniciativa SmartLab considerou fundamental o foco em dados municipais para a discussão de políticas públicas territorializadas, baseadas em evidências e com foco em resultados”, concluiu.
Trabalho Fora de Casa Realizado por Estudantes do Ensino Fundamental
O Observatório apresenta os dados da Prova Brasil (SAEB) 2017, realizada pelo INEP/MEC, como importante recurso para a identificação do trabalho infantil. Um dos questionários respondidos espontaneamente pelos alunos abordou o tema do trabalho fora da casa. As informações referentes às escolas públicas (cujo levantamento foi de caráter censitário) indicavam que 480 mil estudantes respondentes do 5º e 9º anos do ensino fundamental declararam trabalhar fora de casa em 2017. Entre o total dos alunos do 5º ano, a incidência do trabalho fora de casa era de 12% (246 mil alunos) do total dos que responderam ao questionário. Já entre os estudantes do 9º ano, o percentual dos que trabalhavam fora de casa era um pouco maior: 14% (234 mil estudantes). Sabe-se que o trabalho afeta sobremaneira o aprendizado e, consequentemente, o rendimento escolar, já que as crianças ficam mais cansadas e sobrecarregadas. É comum, nesse cenário, o abandono escolar.
O Observatório mostra um expressivo contingente de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil atualmente frequentando a escola, mas destaca que os dados absolutos de estudantes trabalhando fora de casa, segundo a Prova Brasil, não devem, sob nenhuma hipótese, ser assumidos como todo o universo dos alunos do ensino fundamental que trabalham. Os números se referem às escolas que aderiram e participaram segundo os critérios estabelecidos pelo MEC/INEP e abarcam os questionários efetivamente aplicados e respondidos. Apesar disso, as informações são preciosas e estratégicas para a implementação de políticas públicas, uma vez que se pode, por seu intermédio, identificar mais claramente os bolsões de trabalho infantil tanto em magnitude quanto em incidência. Além disso, pode-se potencializar o processo de busca ativa nos municípios e nas escolas e reforçar as ações de prevenção e erradicação nos estabelecimentos educacionais. Com este intuito, em breve, o Observatório disponibilizará as informações georreferenciadas por escolas.
Trabalho Infantil em Atividades Agropecuárias
Os resultados preliminares do Censo Agropecuário 2017, realizado pelo IBGE, apontaram a existência de aproximadamente 588 mil crianças com menos de 14 anos trabalhando em atividades agropecuárias. Segundo a legislação brasileira, o trabalho é terminantemente proibido para esta faixa etária. Esse contingente de crianças em situação de trabalho proibitivo correspondia a 3,9% do total da mão de obra ocupada nos estabelecimentos, considerando-se todas as idades. Entretanto, em algumas unidades federativas, a participação irregular da mão de obra infantil era ainda mais preocupante, a exemplo de Roraima (12,7%), Amazonas (11,3%) e Pará (8,3%), assim como o número absoluto de crianças com menos de 14 anos trabalhando: 81 mil no Pará e 71 mil na Bahia. Em 245 municípios (4,5% do total), o trabalho infantil corresponde a pelo menos 10% da mão de obra total da agropecuária, alcançando até 48,2%.
Outra informação relevante disponibilizada pelo Observatório é a distribuição do trabalho infantil segundo a existência de laços de parentesco com o produtor. De um lado, a existência desses laços revelam proxy da agricultura familiar e sua inexistência se apresenta como proxy da agricultura empresarial. Nessa perspectiva, os dados do Censo Agropecuário 2017 revelam que 507 mil crianças trabalhavam em estabelecimentos com laços de parentesco com o produtor, o correspondente a 86,3% do total. Na média nacional, a utilização da mão de obra infantil nos estabelecimentos sem laços de parentesco com o produtor representava 13,7% do total na época do Censo, mas em alguns estados assumia proporções significativas e até mesmo uma preocupante primazia: 59,7% em São Paulo, 32% no Mato Grosso do Sul e 30% no Espírito Santo.
O procurador do Trabalho Luis Fabiano de Assis, Coordenador da Iniciativa SmartLab, observou que “O conjunto destas informações é estratégico para o planejamento de ações de fiscalização de situação irregular de trabalho infantil no setor agropecuário e para subsidiar iniciativas intersetoriais no âmbito da rede de proteção aos direitos da criança e do adolescente”. E acrescentou que “os dados estão disponíveis em abundância e é preciso agir para combater as causas do trabalho infantil em cada localidade, considerando os prejuízos para as crianças, adolescentes, famílias, desenvolvimento humano do país e até mesmo para as relações internacionais do país, já que há barreiras comerciais cada vez mais claras contra países que se utilizam desse tipo de mão de obra em diferentes cadeias produtivas”.
“Ao disponibilizar essas informações e indicadores sobre o trabalho infantil em atividades agropecuárias, o Observatório se alinha e colabora com o tema central do Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil, realizado anualmente no dia 12 de junho, cujo tem central, para a campanha de 2019, foi exatamente `As crianças não devem trabalhar no campo, mas em sonhos!`”, destacou o diretor da OIT Martin Hahn.
Exploração Sexual Comercial em Rodovias e Estradas Federais
O Mapeamento dos Pontos Vulneráveis de Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes (ESCA) em Rodovias e Estradas Federais (MAPEAR), realizado pela Polícia Rodoviária Federal com o apoio de diversas instituições, é outro instrumento de grande relevância para políticas públicas de proteção de crianças e adolescentes, inclusive para responsabilizar todos aqueles que lhe deram causa à violação desses direitos. A ESCA é uma prática criminosa que consiste na utilização de meninos e meninas com menos de 18 anos em atividades sexuais remuneradas. Enquadram-se nesse tipo de crime a exploração do comércio do sexo, a pornografia infantil e a exibição de meninos e meninas em espetáculos sexuais, como shows eróticos. Por fim, a ESCA é enquadrada como uma das piores formas de trabalho infantil, segundo a conhecida Lista TIP, instituída pelo decreto Nº 6.481/2008, que regulamentou termos descritos na Convenção 182 da OIT adotada no ano de 1999, sobre Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação, ratificada pelo Brasil no ano de 2000.
Durante o biênio 2017/2018 de atualização do Mapeamento – que percorreu 71 mil quilômetros de rodovias e estradas federais ao longo das 27 unidades federativas do país – foram registrados 2.487 pontos como vulneráveis à ESCA. Desses pontos, 489 (cerca de 20% do total ou 1 em cada 5) foram considerados críticos, apresentando características de locais de prostituição de adultos, como pontos de venda ou consumo de bebidas alcoólicas, casas de “shows”, aglomerações e estacionamentos de veículos em trânsito, postos de abastecimento à beira da estrada com presença de caminhões e carretas, entre outros. Outros 653 pontos foram classificados como de alto risco (aproximadamente 26% do total). Se considerados os pontos críticos e de alto risco, pode-se afirmar que metade (46%) dos pontos vulneráveis são merecedores de atenção especial da rede de proteção de crianças e adolescentes.
Apesentando nova perspectiva para esses dados, o Observatório apresenta informações do projeto MAPEAR georreferenciadas por unidades federativas e municípios, com a identificação do número de pontos segundo o nível de risco, a concentração dos pontos por rodovia federal e características principais dos locais vulneráveis.
Importantes parceiros participam do projeto MAPEAR, liderado pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), como o MPT, a Área de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho da OIT, a Childhood Brasil, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia.
Acidentes de Trabalho entre Crianças e Adolescentes
Segundo informações do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), do Ministério da Saúde, foram notificados 300 mil acidentes entre crianças e adolescentes com até 17 anos de idade, durante o período de 2007 a 2018. Vale ressaltar que mais da metade das notificações de acidentes laborais (162 mil ou 54,0% do total) ocorreram entre crianças com menos de 12 anos de idade, cujo trabalho é permanentemente proibido pela legislação nacional. Considerando-se somente o triênio de 2016 a 2018, foram registrados 111 mil acidentes na faixa etária até os 17 anos.
Já considerando-se os acidentes registrados no INSS com base na Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), observa-se o registro de 17,2 mil acidentes entre crianças e adolescentes de 14 a 17 anos no emprego formal (com carteira assinada, na condição de aprendiz ou empregado) durante o período de 2012 a 2018.
Entre os principais agentes causadores de acidentes destacam-se os veículos de transporte (17%), máquinas e equipamentos (16%), quedas do mesmo nível (11%), agentes químicos (8%), mobiliário e acessórios (8%) e ferramentas manuais (7%). As atividades econômicas que mais registraram acidentes vitimando essa população vulnerável foram o comércio varejista de mercadorias em geral, com predominância de produtos alimentícios – hipermercados e supermercados (21%) e restaurantes e outros estabelecimentos de serviços de alimentação e bebidas (10%). Durante este mesmo período, de 2012 a 2018, foram registrados 42 óbitos decorrentes de acidentes de trabalho entre crianças e adolescentes de 14 a 17 anos.
Crianças e Adolescentes Regatadas de Situação de Trabalho Escravo (ou análoga)
O trabalho infantil e o trabalho escravo são fenômenos complexos e inter-relacionados. É grande a probabilidade de que crianças que trabalham se tornem adultos vulneráveis às piores formas de exploração do trabalho humano, algo que se inicia frequentemente durante a infância. Do mesmo modo, é grande a probabilidade de que filhos de trabalhadores explorados se tornem vítimas do trabalho infantil. Essa relação perversa aprisiona famílias inteiras em um ciclo vicioso de violações extremas de direitos humanos e laborais. É importante, consideradas essas variáveis, entender esses fenômenos conjuntamente, em busca de políticas de repressão e prevenção integradas com foco em transformação em âmbito familiar e domiciliar. Segundo as informações da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério da Economia, 937 crianças e adolescentes vítimas de trabalho escravo foram resgatadas entre os anos de 2003 a 2018.
Oportunidades, Rede de Proteção Social e Garantias de Direitos
O Observatório da Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil ainda disponibiliza importantes informações sobre Aprendizagem, Proteção Social e Garantias de Direitos coletadas em anos recentes, além das informações sobre o trabalho infantil nos municípios brasileiros, com base nos dados do Censo Demográfico de 2010.
Mesmo passados nove anos da época da coleta e seis da sua divulgação completa, as informações de trabalho e rendimento do Censo 2010 do IBGE ainda são as únicas que permitem a compreensão da completude e diversidade dos mercados de trabalho nos municípios do país, inclusive sobre o trabalho infantil. Ademais, com a proximidade de realização do Censo 2020, se faz necessário já dispor de informações facilmente sistematizadas sobre o trabalho de crianças e adolescentes à escala territorial, para que se possa, a partir de 2022, quando da divulgação do novo censo demográfico, analisar a evolução do trabalho infantil ocorridas entre as décadas de 2010 e 2020 e as suas respectivas especificidades atuais.
Fonte: MPT-RN