Recessão e concentração bancária, dizem os especialistas, estão entre os principais motivos para isso
O ciclo de afrouxamento monetário encerrado pelo Banco Central em maio teve, até agora, os efeitos mais fracos para o consumidor final desde 2003. Segundo estudo do Credit Suisse, o recuo da taxa de juros do crédito para pessoa física, até março, correspondeu a 90% da queda da Selic, a taxa básica de juros da economia. Em outros quatro períodos em que o Comitê de Política Monetária (Copom), do BC, reduziu de forma expressiva a Selic, o repasse para o consumidor sempre foi maior que a própria queda da taxa de juros, atingindo, em média, 250%. Entre os motivos para isso, dizem os especialistas, está a concentração bancária no país.
No ciclo atual, por exemplo, enquanto a Selic diminuiu 7,75 pontos porcentuais, o juro para a compra de veículos retrocedeu quatro pontos, e o do cheque especial, 3,6 pontos. No ciclo de 2009, quando a Selic caiu cinco pontos porcentuais, os mesmos tipos de juros recuaram 11 pontos e sete pontos, respectivamente.
O economista-chefe do Credit Suisse, Leonardo Fonseca, lembra que hoje a Selic é uma das únicas ferramentas com possibilidade de impulsionar a atividade econômica, já que o resultado fiscal do governo tem impedido investimentos públicos, e as exportações têm uma contribuição limitada, por serem focadas em commodities. “O consumo, que já cresceu mais, também está caindo. O principal motor da economia ainda é a queda da Selic.” Com uma Selic pouco eficiente, no entanto, a economia tem registrado uma recuperação lenta.
O estudo do Credit não chega a apontar as causas da ineficiência do afrouxamento monetário, mas Fonseca aponta como hipótese a maior concentração do setor bancário – que reduz a concorrência e, consequentemente, a necessidade de as instituições financeiras oferecerem taxas mais atrativas ao consumidor. “Normalmente, a inadimplência explicaria isso (um repasse da redução do juros menor), mas não é o caso atual. Agora, pode estar associado à questão de o mercado não ter mais a competitividade de antes”, diz Fonseca.
A inadimplência do crédito livre entre o consumidor pessoa física estava em 6,2% em setembro de 2016, quando começou o atual ciclo de afrouxamento monetário. No início do ciclo de 2009, que teve o maior impacto sobre o crédito entre os cinco analisados, com um repasse ao consumidor de 394%, a inadimplência era de 7,9%, segundo relatório do Banco Central divulgado em março.
LEIA TAMBÉM: Por que os juros são tão altos no Brasil?
Fonseca destaca ainda o patamar do juros cobrado no cheque especial, que subiu de 200% ao ano em julho de 2013 para 330% em novembro de 2016, permanecendo nesse nível até agora. “Até se justifica o cheque especial ter uma taxa superior, porque é uma operação arriscada para os bancos. Mas a taxa subiu durante a recessão e não voltou ao nível anterior. Não faz sentido uma taxa tão elevada”, diz o economista, que destaca que o estudo analisou 69,5% da carteira de crédito livre para pessoa física.
Efeitos positivos da queda da Selic ainda devem vir
O economista do Credit Suisse, porém, afirma que, mesmo com o BC tendo encerrado o ciclo de afrouxamento monetário e apesar do repasse fraco registrado até agora, a tendência é de que a redução da Selic ainda tenha efeitos positivos sobre o crédito e a economia nos próximos trimestres. “O efeito máximo da queda do juros ocorre em três ou quatro trimestres (após ele ser fixado). Ainda tem muito por vir”, frisa.
A economista Isabela Tavares, da consultoria Tendências, calcula que os efeitos serão percebidos até o fim deste ano. “Isso sem contar outras medidas que o Banco Central adotou, como a redução da alíquota do compulsório (porcentual dos recursos dos correntistas dos bancos que devem ser mantidos no BC) e o cadastro positivo (registro sobre histórico de pagamento dos consumidores).”
Procurada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que “não endossa as análises que apontam na concentração bancária a causa das altas taxas de juros praticadas no Brasil” e acrescentou que há custos na intermediação bancária “que escapam do controle das instituições financeiras”, como os associados à inadimplência e os depósitos compulsórios exigidos dos bancos.
Recessão também reduz o impacto de queda na taxa
Além da concentração do setor bancário, a gravidade da recessão brasileira também pode explicar o fato de a redução da Selic, a taxa básica de juros, não estar chegando ao consumidor final.
O economista da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas, afirma que, com o aumento do desemprego nos últimos anos, o risco para os bancos concederem financiamento também cresceu. “O crédito é cíclico. Se a economia está em expansão, o risco diminui e a oferta aumenta. Tivemos uma das piores recessões e a taxa de desemprego é alta. Isso ainda pesa. Com a perda de renda em geral, o risco de emprestar é alto e as taxas mais elevadas”, diz.
De acordo com relatório do Banco Central divulgado em março, nenhum dos outros quatro grandes ciclos de queda da Selic ocorridos desde 2003 começou em um ano cuja variação do Produto Interno Bruto (PIB) foi tão negativa como o atual nem com uma taxa de desemprego tão alta. A retração do PIB nos 12 meses que antecederam o início do ciclo atual foi de 4,6% e o nível de desemprego ficou em 11,8%. Dos ciclos analisados, o de 2003 foi o que começou em situação mais parecida, ainda que muito melhor: com alta de 3,6% no PIB e desemprego em 10,8%. O afrouxamento monetário do período chegou a dez pontos porcentuais, e o repasse para a taxa de juros para pessoa física foi de 239%.
“Se o desemprego estivesse caminhando para uma redução e a recuperação da atividade econômica fosse mais virtuosa, possivelmente (a redução da Selic) chegaria mais rápido ao consumidor”, diz o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre).
O economista da Acrefi, porém, também destaca que a concentração bancária prejudica o repasse da queda da Selic. “Entre os bancos comerciais, o crédito fica concentrado apenas nos cinco grandes (Itaú, Bradesco, Santander, Caixa Econômica e Banco do Brasil)”, diz.
Fonte: Gazeta do Povo, 8 de junho de 2018.