QUANDO CONTEI para uma tia minha que havia dado uma entrevista para a Al-Jazeera sobre a greve geral no ano passado, ela me olhou com olhos de Ana Amélia Lemos. Ela claramente ficou incomodada com o prefixo “al”. Um incômodo que foi incutido nela durante anos pelas marteladas contra o mundo árabe dadas pela mídia ocidental. Diferentemente da senadora do PP, a ligação da minha tia com a política e o mundo se dá basicamente pela acompanhamento diário do Jornal Nacional. Ana Amélia é jornalista há quase 50 anos e se destacou sendo comentarista política. Mesmo com esse currículo, foi capaz de cometer esse atentado verbal no Senado:
“Penso até que, dada a gravidade do conteúdo dessa exortação publicada pela TV Al Jazeera, para essa convocação ao apoio dos países do mundo árabe, eu só espero que não tenha sido também um pedido para que o exército islâmico venha ao Brasil atuar aqui”.
Foi assim que a senadora Ana Amélia reagiu a uma entrevista de Gleisi Hoffmann para Al-Jazeera. Nela, a presidente do PT pedia solidariedade ao mundo árabe a Lula, a quem considera um preso político, como parte da estratégia do partido de repercutir internacionalmente o caso. O conteúdo da entrevista para Al-Jazeera é basicamente o mesmo que Gleisi deu para veículos estrangeiros, mas a senadora resolveu implicar somente com essa. Ana Amélia chegou a afirmar que a petista pode ter violado a Lei de Segurança Nacional por provocar “atos de hostilidade” contra o Brasil.
A declaração de Ana Amélia parece estar muito mais próxima da má-fé do que da ignorância. Não é possível imaginar que uma mulher que foi casada com um senador biônico da ditadura (e foi contratada por ele em cargo comissionado), que chegou a ser diretora da sucursal da RBS em Brasília, que está no Senado há 8 anos, não saiba que a Al-Jazeera é a maior rede de televisão do mundo árabe e referência mundial em jornalismo, sem ter nenhuma ligação com grupos terroristas. A coisa ganha contornos ainda mais ridículos quando descobrimos que a senadora do PP acaba de ser eleita presidente do Grupo Parlamentar Brasil-Arábia Saudita, criado no Senado para aprofundar as relações entre os dois países. O regime saudita é seguidor e propagador da ideologia wahabbita, a mesma de Al-Qaeda, Estado Islâmico, Boko Haram e outros grupos terroristas. Braços do governo da Arábia Saudita possuem forte ligação com todos esses grupos. Usando a lógica escrota de Ana Amélia, poderíamos dizer que ela é líder de um grupo parlamentar que busca estreitar relações com terroristas islâmicos.
Não foi por desconhecimento que Ana Amélia insinuou que a petista estava incitando uma convocação “para que o exército islâmico venha atuar no Brasil”, mas puro cálculo político. Ana Amélia, integrante das bancadas ruralista e da bala, busca dialogar com aqueles que enxergam comunismo na bandeira do Japão, que compõem boa parte da sua base eleitoral. A eleição está chegando, e é importante para Ana Amélia manter acesa a chama do antipetismo para se reeleger. Ela sabe muito bem que não existe nenhum “exército islâmico”, mas usou o termo porque sabe que seu eleitorado em potencial fará uma associação direta com o “Estado Islâmico”. Pega bem para a imagem dela lutar contra quem está conclamando o terrorismo internacional a atacar o Brasil. Primeiro incute o perigo na cabeça da criançada reacionária, depois se apresenta como a Super Nanny.
Mas não foi só o revoltadismo online que se indignou com a denúncia de Ana Amélia. Major Olimpo, policial militar e deputado federal pelo Solidariedade, protocolou junto a PGR, ao TSE e ao Senado uma ação contra a senadora Gleisi e o PT. O deputado-major, também empenhado em fidelizar seu eleitorado, os responsabiliza pelos crimes contra o Estado e a Ordem Política Social, e pede a cassação do mandato da senadora petista e do registro eleitoral do PT. Ele quer simplesmente bani-los da vida pública. Nas ações, ele ressalta que “os países em que é veiculada essa rede televisiva utilizada pela Senadora citada e seu partido, alcança regiões em que há concentrações de diversos grupos terroristas, colocando em risco também a segurança nacional do Brasil”.
Esses inacreditáveis discursos dos parlamentares inflamaram a xenofobia nas redes sociais. No Facebook da Ana Amélia, os fãs a exaltaram e acharam o seu discurso até brando e polido demais. Não dá pra pegar leve com uma ameaça terrorista, né?
Esse era o efeito desejado: disseminar a ideia de que o PT está convocando terroristas islâmicos para libertar Lula, espalhar o medo e manter unida sua base eleitoral para as próximas eleições. A senadora gosta de jogar para torcida, sempre de forma maniqueísta, buscando se arvorar como uma das líderes do Bem na árdua luta contra o Mal. Quando a caravana de Lula foi atacada no sul, Ana Amélia se apressou em exaltar os agressores, afirmando sentir orgulho de quem “botou pra correr aquele povo que foi lá” e ainda incentivou a “atirar ovo, levantar o relho, levantar o rebenque, para mostrar onde está o Rio Grande, onde estão os gaúchos”. Essa ;e a grande democrata que está preocupada com a segurança nacional.