Entre 2005 e meados de 2014, mais de 100 mil casos de sífilis foram registrados entre gestantes no Brasil. Ao longo do ano de 2013, a taxa de detecção da doença em mulheres grávidas era de 7,4 infecções para cada mil nascidos vivos, com um total de 21.382 casos. Já em 2014, apenas nos primeiros seis meses, dados preliminares apontam um total de 28.226 infecções, o que resultaria em uma taxa de detecção de cerca de 9,7 casos em gestantes para cada mil nascidos vivos.
Dados relacionados especificamente à sífilis congênita (transmitida pela mãe ao bebê) revelam que, entre 1998 e junho de 2014, mais de 104 mil crianças menores de 1 ano foram infectadas pela doença. Em 2013, foram notificados 13.704 casos, com uma taxa de incidência de 4,7 para cada mil nascidos vivos. Já no primeiro semestre de 2014, dados preliminares apontam um total de 16.266 infecções, o que resultaria em uma taxa de detecção de 5,6 casos para cada mil nascidos vivos.
Para 2016, o governo trabalha com a projeção de que as notificações de sífilis em gestantes cheguem a quase 42 mil casos no país, enquanto as infecções por sífilis congênita devem superar 22 mil casos entre menores de 1 ano. O cálculo foi feito com base no aumento percentual registrado entre 2012 e 2013, de 25% e 18%, respectivamente.

Penicilina
Os dados fazem parte de uma nota informativa assinada pelo epidemiologista Fábio Mesquita, atual diretor do departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde. No documento, ao qual a Agência Brasil teve acesso, Mesquita trata da urgência para aquisição da penicilina cristalina, medicamento utilizado como tratamento padrão em casos de infecção por sífilis e de relevante impacto na saúde pública.
O texto destaca que, desde 2014, o departamento busca uma solução para a situação de desabastecimento do remédio que ocorre em diversos municípios brasileiros. De acordo com a nota, um levantamento feito em janeiro deste ano revelou que 60% dos estados relataram desabastecimento de penicilina. A principal causa apontada para a dificuldade na aquisição é a falta de matéria-prima para a produção do medicamento.
O documento relata diversas tentativas, por parte do governo brasileiro, de comprar o remédio e chega a citar casos de recusa de empresas em readequarem seus preços; pregões fracassados por incapacidade de produção da indústria farmacêutica; e recusas de empresas em assinar contratos com cláusulas de garantia de fornecimento.
A única aquisição em andamento e com cronograma de entrega foi feita por meio de cooperação técnica junto à Organização Pan-Americana de Saúde e envolve 2 milhões de frascos para tratar sífilis em gestantes. A previsão inicial é que o medicamento comece a ser entregue este mês, mas o próprio departamento alerta que o produto precisa passar por certificação em um centro de referência na Bélgica e que haverá possível atraso. A nova previsão seria abril ou maio deste ano.

Sexo e camisinha
Em entrevista à Agência Brasil, o coordenador da Sociedade Brasileira de Infectologia, Hélio Arthur Bacha, acredita que parte do aumento de casos de sífilis no país estaria relacionada à melhoria no registro das infecções e, consequente, redução na subnotificação. Ele alerta, entretanto, que o padrão de comportamento sexual do brasileiro apresentou mudanças nos últimos anos, com mais pessoas se expondo a situações de risco.
“Qualquer infectologista percebe isso em seu consultório. Temos um aumento de pessoas que fazem sexo sem prevenção”, disse. Para ele, o surgimento de antirretrovirais potentes, que permitem uma sobrevida maior e convivência com o vírus HIV, reduziu o temor da população em relação à Aids e a doenças sexualmente transmissíveis. “Há uma regra que diz que quem tem uma DST tem outras. Quem transmite HIV pode transmitir sífilis, gonorreia, hepatite B e outros”, completou.
Diante do atual cenário, o especialista defende campanhas de prevenção que tenham como público-alvo populações com comportamento de risco, além de políticas que incluam, por exemplo, o fornecimento de penicilina profilática (tratamento preventivo oferecido em situações de exposição, sem a necessidade de diagnóstico para confirmação da doença). Para isso, seria necessário que o abastecimento do remédio fosse reestabelecido.
“Uma parcela da nossa população tem práticas sexuais que nem sempre acontecem de maneira convencional. São pessoas que fazem sexo com múltiplos parceiros, que se expõem a práticas sexuais onde não há prevenção, que só chegam ao orgasmo por meio do sexo desprotegido ou que se relacionam com parceiros desconhecidos”, explicou.
O infectologista destacou ainda a necessidade de treinar profissionais de saúde para identificar comportamentos de risco e melhorar a qualidade do atendimento e do monitoramento no pré-natal.
“A sífilis não é uma doença que, uma vez adquirida, dá imunidade. Ela pode ser tratada e, seis meses depois, contraída novamente. Você pode pegar sífilis inúmeras vezes. O que mais leva à transmissão de mãe para filho, por exemplo, é a sífilis aguda na gestação. A mulher está grávida, se infecta durante a gestação, trata a doença e, três meses depois, pega de novo. Por isso, temos que identificar essa população e fazer um controle melhor.”

 

Fonte: Folha Web