Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), do IBGE, no primeiro trimestre de 2017 o desemprego atingia 13,7% da população, ou 14,2 milhões de trabalhadores, sendo que 2,9 milhões procuravam um posto de trabalho há mais de dois anos. Levantamento mais recente, da mesma pesquisa, divulgado em julho deste ano, aponta melhora de apenas 1,3 ponto percentual, mantendo 12,4%, ou 13 milhões de desempregados, no trimestre de abril a junho de 2018. Chama atenção o nível de subutilização da força de trabalho (a soma do número de desempregados com o número de empregados em trajetórias reduzidas de horas) que, no primeiro trimestre de 2018 subiu para 24,7%, representando 27,7 milhões de pessoas – maior taxa de subutilização registrada na série histórica da PNAD Contínua, iniciada em 2012.
Sem desconsiderar que o quadro brasileiro se tornou complexo, portanto que o desemprego tem relação com o fraco desempenho econômico, Antônio Correia de Lacerda, diretor da FEA-PUC-SP e ex-presidente do Cofecon (Conselho Federal de Economia) pondera que há muita incerteza jurídica em torno do que se consolidou como reforma, levando poucos empregadores a se aventurarem na formulação de contratos com as novas regras.
O professor, que também é autor de estudos sobre economia produtiva, acrescenta que o argumento de que a reforma ampliaria o emprego “sempre foi falacioso”.
“Nenhum empregador contrata funcionário porque ele ficou, pretensamente, mais barato, como argumenta os defensores da reforma, e sim quando representa um aumento de vendas”, prossegue.
O professor titular e fundador da FACAMP e ex-consultor de economia do ex-presidente Lula, Luiz Gonzaga Belluzzo, considera que a reforma trabalhista foi construída em cima de bases erradas.
“Uns afirmam que os efeitos recessivos do ajuste econômico poderiam ser suavizados pela elevação do trabalho informal. Seus “testes empíricos” indicam que os resultados do ajuste são melhores em economias com alto grau de informalidade, pois conferem ao desempregado a “possibilidade de manter” o nível de consumo (?) no exercício de uma atividade informal. Outros, compungidos, insistem em celebrar uma rápida queda do salário real. Na visão de suas doutrinas quanto maior e mais rápida for a queda do salário real, menor será o aumento do desemprego”, destaca Belluzzo completando sua resposta em cima do que Robert Reich, secretário de Trabalho no governo Clinton, escreveu em carta aberta aos parlamentares do partido Republicano nos Estados Unidos:
“Reich lembra que os trabalhadores também são consumidores. Quando você empurra os salários para baixo, também espreme consumidores que perdem poder de compra”, o resultado é estoque parado nas indústrias, e ociosidade no setor de serviços, reduzindo a necessidade de contratação. Leia a resposta na íntegra de Belluzzo, ao GGN, no artigo “Reforma Trabalhista: erros e como retomar níveis de emprego”.
Para o professor titular do Instituto de Economia da Unicamp, Fernando Nogueira da Costa, o impacto da reforma trabalhista foi o aumento da “pejotização”, termo usado pela jurisprudência para retratar acordos trabalhistas informais.
“O número de empregados com carteira de trabalho assinada (32,8 milhões) no setor privado comparado com o mesmo trimestre de 2017, houve queda de 1,5% ou menos 497 mil pessoas. O número de empregados sem carteira de trabalho assinada (11,0 milhões) no setor privado em relação ao mesmo trimestre de 2017, houve alta de 3,5%, ou mais 367 mil pessoas. A categoria dos trabalhadores por conta própria (23,1 milhões de pessoas), em relação ao mesmo período de 2017, houve alta de 2,5%, ou mais 555 mil pessoas”, completando:
“A dedução é esses números indicarem a elevação da “pejotização” propiciada pela reforma trabalhista. Não se contrata mais com carteira de trabalho assinada. Os trabalhadores perderam direitos trabalhistas”, avaliando que a reforma não resultou no aumento da população empregada, porque “a oferta de emprego depende de decisões de investimentos dos capitalistas”. Sendo os principais fatores determinantes:
• Grau de endividamento ou “desalavancagem financeira” das empresas não-financeiras;
• Expectativa otimista de vendas comprovadas por ritmo crescente de faturamento;
• Utilização de capacidade produtiva, além do nível de ociosidade planejado; e
• Inovação tecnológica com lançamento de novos equipamentos ou produtos.
“Os ideólogos do livre mercado pregavam: se os trabalhadores aceitassem o corte dos encargos trabalhistas, tornar-se-ia lucrativo oferecer mais emprego. Justificaram, assim, a reforma para cortar direitos trabalhistas históricos. Erraram, mais uma vez, contra os interesses da classe trabalhadora”, conclui.
O desafio do próximo presidente
Apesar de ser considerada uma conquista do governo atual, a reforma trabalhista pode sofrer alterações, dependendo de quem for o novo presidente, e está em destaque nas plataformas dos principais candidatos.
Em um encontro com empresários, em Belo Horizonte, no dia 30, Geraldo Alckmin (PSDB), disse que, se eleito, não fará alterações nas regras. “Trabalhei muito por ela”, disse ao falar, especificamente, sobre o imposto sindical obrigatório. O pacote também é defendido pelos presidenciáveis Jair Bolsonaro (PSL) e Marina Silva (Rede). Porém, a última, é favorável à mudanças em pontos que incluem regras sobre trabalho de gestantes, horários de almoço e honorários advocatícios, nos casos de processos trabalhistas. Já, Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT), defendem a revogação total da reforma.
O economista Corrêa de Lacerda lembra que, para aumentar a oferta de empregos, o próximo governante terá que apresentar “um programa sério de estímulo ao emprego, que passe por fomento à produção e investimento produtivo, além de políticas industriais para inserir o Brasil nos novos modos de produção”, explicando que o emprego, do ponto de vista conjuntural, acontece em função do crescimento econômico.
“Há, ainda, outro desafio estrutural decorrente da mudança tecnológica, que é poupadora de mão de obra”, alerta.
Nogueira da Costa, defende a ação estratégica do Poder de Estado:
“[Na atual conjuntura brasileira] o gasto público deveria substituir o gasto privado através de política pública contra as expectativas pessimistas. Os investimentos públicos em infraestrutura multiplicariam a renda e o emprego e arrastaria, em momento posterior, os investimentos privados”.
Outra estratégia, completa, é o Estado assumir o risco do devedor para fazer alavancagem financeira com capital de terceiros:
“Será necessário, na economia brasileira, os concessionários de serviços de utilidade pública obterem, como na Era Social-Desenvolvimentista (2003-2014), empréstimos de bancos públicos com recursos direcionados a juros abaixo do cobrado por recursos livres. Com longos prazos de carência do pagamento para obter uma taxa de retorno alavancada, eles serão estimulados a investir em infraestrutura sob as condições exigidas em concessões de serviços de utilidade pública”, disse, lembrando que o limite do juro a ser pago precisará ser, invariavelmente, inferior à rentabilidade patrimonial de início, para o endividamento valer a pena.
Belluzzo entende que o país está em condições de restabelecer uma macroeconomia da reindustrialização.
“Basta usar de forma inteligente as vantagens que possui e as promessas que se revelaram recentemente nas áreas de petróleo e gás”, e não apenas “concentrar os esforços na manutenção de um câmbio real competitivo ou esperar que a queda dos juros produza automaticamente a recuperação do investimento industrial”. Ele também é favorável ao aumento de gastos públicos em infraestrutura:
“O volume elevado de investimento público em infraestrutura é importante para formação da taxa de crescimento. Não só: também é decisivo para a política industrial fundada na formação de “redes de produtividade” entre as construtoras e seus fornecedores: encomendas para os provedores nacionais e critérios de desempenho para as empresas encarregadas de dar resposta à demanda de equipamentos, peças e componentes”, arremata.