Uma das coisas que mais me chama a atenção na recém-aprovada reforma trabalhista é a sistemática desmobilização das classes ou o embate ferrenho que esta representa à consciência do valor do trabalho.
Não é nenhuma novidade no cenário capitalista a ideia de que o trabalho tem se desvinculado do produto. Os sindicatosrepresentam uma última trincheira nessa consciência de que somos nós, a classe produtora, e eles, a classe empresarial. Essa percepção sofria grandes baixas no País, onde parte significativa da população pensa que o sindicato serve pra tirar o seu dinheiro no fim do mês pra servir como plataforma política.
A tentativa de extinguir os sindicatos, tanto por parcela da opinião pública quanto pela nova reforma que torna arbitrária a contribuição sindical, tem papel fundamental na alienação da força de trabalho que, somando-se com a ideia das negociações diretas entre patrão e empregado, terá apenas como ponto cardeal comparativo do valor do trabalho exercido os seus próprios pares.
Mais uma vez, o capitalismo contemporâneo traz para o íntimo e para o subjetivo questões que antes eram resolvidas no âmbito da sociabilidade e do jogo político de forças. É historicamente compreensível que no Brasil tenhamos, porém, essa leitura de mundo e essa forma de agir, visto que a própria origem de muitas forças sindicais se deu com a mão do Estado na Era Vargas.
Autogestão, tratando-se de Brasil, é uma utopia muito distante. O papel dos sindicatos foi sempre, antes de tudo, reconhecer uma igualdade entre os pares e ajudar a estabelecer, se não uma consciência de classe, ao menos uma noção.
Atualmente, menosprezamos o papel que a sociedade, enquanto coletivizadora das experiências, tem na constituição de nossa subjetividade. Achamos que a nossa individualidade é fruto de uma construção íntima, e isso nos afasta tanto daqueles que são nossos pares enquanto classe quanto da realidade em que estamos inseridos e dos jogos de forças que tem implicação na nossa vida cotidiana.
Isso tudo opera no sentido de desmobilizar, romper as percepções que sustentam uma classe trabalhadora unida, além de constituir, em uma economia de consumo, novas bases para a construção da identidade e da subjetividade. É nesse contexto que o conceito de trabalho, enquanto valor abstrato, aflora, deixando de ser um valor dependente da ação de trabalhar, mas passando a ser uma unidade de medida que valora o ser humano.
Essa efervescência social não traz benefícios concretos na economia ou na política institucional. A instauração do caos social está posta. Restam ao Brasil agora apenas duas opções: abraçar a função de “nova China” e ter uma classe trabalhadora relegada à miséria econômica, social e política ou a movimentação das massas, o inconformismo e algo que se aproxime mais de uma revolução. Como falei antes, a primeira opção parece ser a mais plausível.
Por: Francisco Nunes Fontavine
Fonte: Carta Capital