Para um país situado entre os mais desiguais do mundo, a proliferação de informações e análises a respeito da péssima distribuição da renda, ao invés de contribuir para o seu enfrentamento termina, muitas vezes, favorecendo o contrário. Exemplo disso ocorreu na década de 1970, quando o IBGE divulgou pela primeira vez o segundo censo demográfico contendo informações sobre rendimentos dos brasileiros, o que permitiu comprovar o aumento da concentração de renda. Os 5% mais ricos da população aumentaram de 27,3% para 36,2% a participação no total da renda nacional, enquanto os 40% mais pobres reduziram de 11,2% para 9,1% entre 1960 e 1970.
Na época, a revelação dos dados oficiais foi acompanhada por grande controvérsia a respeito da concentração da renda no Brasil. Para além das informações do Censo demográfico de 1970, outros dados foram adotados nos estudos, como os do Imposto de Renda para identificar rendimentos do capital (lucros, juros, renda da terra, alugueis) e do trabalho (salários, ordenados, remuneração), bem como da antiga Lei dos 2/3 (substituída pela Relação Anual de Informações Sociais – RAIS) sobre rendimentos individuais dos ocupados formais.
No ano de 1973, por exemplo, o livro A distribuição de renda e desenvolvimento econômico no Brasil de C. Langoni (RJ, Expressão e Cultura) apontou que o Gini da desigualdade do capital era de 0,78, muito maior que o Gini do trabalho (0,47). Três décadas depois, em 2004, o livro Os ricos no Brasil organizado por A. Campos e outros pesquisadores (SP, Cortez) também se utilizando da declaração do Importo de Renda para definir rendimento do capital e do trabalho, identificou que somente 0,001% das famílias brasileiras concentravam 40% de todo o estoque da riqueza nacional.
Nesse mesmo sentido, os estudos mais recentes que incorporam dados do capital, não fundamentalmente do trabalho e de transferência sociais das políticas públicas, seguem apontando que a desigualdade do capital é extrema, bem mais intensa que a do trabalho. Conclusão que pode obter do estudo de 2017 de M. Morgan (Extreme and Persistent Inequality: New Evidence for Brazil Combining National Accounts, Surveys and Fiscal Data, 2001-2015), quando indica que a desigualdade caiu para o conjunto dos pobres e dos segmentos de renda intermediária, isso é aqueles que possuem rendimentos do trabalho e derivados das políticas públicas (pensões, aposentadorias e bolsas), mas manteve a desigualdade extremamente elevada nos detentores do capital.
Os dados censitários e das Pnad’s do IBGE que coletam relativamente melhor os rendimentos do trabalho e de transferências públicas não deixam dúvidas que nos anos 2000, ao contrário da década de 1990, a desigualdade de renda caiu significativamente. O mesmo também pode ser registrado nas informações das contas nacionais do IBGE que indicam aumento da participação dos rendimentos do trabalho no idêntico período de tempo, concomitante à queda relativa da renda do capital.
Mas com as informações derivadas da declaração do Importo de Renda, que melhor expressa a renda do capital, a trajetória da desigualdade não se alterou. Natural, pois nos anos de 2000, o que se mais avançou foram as políticas adotadas para melhorar a vida dos pobres e daqueles com renda intermediária.
Quando as políticas públicas começavam a desenhar uma ação para atacar a desigualdade extrema do capital, o condomínio de interesses em torno do Projeto para o futuro destitui a presidenta democraticamente eleita. No seu lugar, emergiram as reformas contra os pobres e os segmentos de rendimentos intermediários, o que tem favorecido ainda mais as rendas do capital.
Mas isso, os estudos recentes não mostram. A piora na desigualdade da renda está de volta, mesmo que alguns estudos e meios de comunicação preocupam-se mais em desconstituir o passado que melhorou inequivocamente a vida dos pobres e daqueles com rendimentos intermediários, sem prejudicar os ricos.
Por: Marcio Pochmann
Fonte: Rede Brasil Atual