O professor de Filosofia Douglas Anfra sofreu uma reviravolta em sua vida há 20 anos, por conta de um acidente de trabalho. Na época, Anfra trabalhava como operário de produção na indústria química e teve a pele de sua perna derretida pelo vapor de uma máquina.
“A empresa tinha vários procedimentos bizarros. As emendas das máquinas eram feitas com gambiarras. Um dia, uma dessas gambiarras escapou e minha perna foi atingida por vapor a 100 graus celcius. Fiquei uns quatro meses me recuperando. Foi um processo muito doloroso, esperando a pele crescer de dentro para fora. O socorrista quase regurgitou quando viu minha pele, porque tinha a gordura da pele derretida grudada na calça”, contou.
Anfra era um trabalhador terceirizado e destaca que, apesar de não ter tido sequelas, a precarização do trabalho o afastou da profissão.
“Eu estava em período de experiência de um contrato terceirizado, depois do acidente fiquei licenciado. Depois me obrigaram a fazer um curso de operador de caldeira no Senai, dando a entender que o acidente tinha sido minha negligência e não deles. Quando voltei, me demitiram na sequência. Por pressão da minha família, não processei a empresa, porque eu não teria nenhuma testemunha a meu favor”, explicou o trabalhador.
O professor acredita que sua situação enquanto trabalhador terceirizado foi determinante para seu acidente. Ele acrescenta que, na empresa onde trabalhou anteriormente como operário, chegou a presenciar oito incêndios em um ano.
Apesar de a história de Anfra ter acontecido em 1997, em um país que, nos anos 1970, durante a ditadura militar, chegou a ser campeão mundial em acidentes de trabalho, ela serve como alerta para o atual contexto trabalhista brasileiro.
Na última semana, o Ministério Público do Trabalho (MPT) atualizou o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, e expôs o alarmante dado de que a cada quatro horas e meia uma pessoa morre por acidentes de trabalho no Brasil. Já um dossiê publicado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em abril de 2017 mostrou que trabalhadores terceirizados são vítimas de 3,4 mais acidentes fatais do que os efetivos.
Para Remígio Todeschini, ex-presidente do Sindicato dos Químicos do ABC e ex-presidente da Fundacentro, órgão do Ministério do Trabalho responsável pela saúde do trabalhador, as medidas aprovadas pelo presidente golpista Michel Temer (MDB) no final de 2017 levarão ao recrudescimento dos acidentes de trabalho.
Todeschini citou como exemplos a privatização de empresas estatais, a Lei nº 13.429, de maio de 2017, que torna ilimitada a terceirização no país, e a reforma trabalhista, que entrou em vigor em novembro do ano passado.
“A privatização e essa crescente terceirização de vários setores da economia ajudaram a agravar principalmente a acidentalidade, tanto fatal como por invalidez permanente. A lei trabalhista não vai dar nenhuma garantia, inclusive na parte acidentária. As empresas querem poupar, e poupar significa não oferecer, por exemplo, equipamentos de proteção individual”, destacou.
Entre as medidas da reforma trabalhista que afetam diretamente a questão dos acidentes de trabalho, estão: o artigo que exclui o deslocamento para o trabalho como tempo de jornada, o que impacta no entendimento dos acidentes sofridos nesse percurso; o artigo que flexibiliza a atuação de gestantes em locais insalubres; e a regulamentação do trabalho intermitente.
O aumento da acidentalidade com as novas medidas do governo Temer também é previsto pelo Procurador do Trabalho Leonardo Osório, Coordenador Nacional de Defesa do Meio Ambiente de Trabalho do MPT.
“Defensores da reforma trabalhista destacam que jornadas de trabalho não tem relações com saúde e segurança do trabalhador, mas está mais do que comprovado que os trabalhadores mais cansados, com longas jornadas de trabalho, são mais propensos a acidentes de trabalho. Temos uma preocupação muito grande que a reforma trabalhista venha a aumentar o número de acidentes”, afirmou.
Edição: Thalles Gomes
Fonte: Brasil de Fato