A PEC 287, enviada ao Congresso Nacional em dezembro de 2016 pelo Poder Executivo, pode ser considerada o maior projeto de desmonte da Previdência Social em décadas, sobretudo para as mulheres. A Reforma proposta traz a igualdade formal entre homens e mulheres, nos requisitos para se aposentar, e silencia quanto à desigualdade de gênero, especialmente na distribuição das tarefas domésticas. Assim, atinge as trabalhadoras urbanas, rurais, negras e idosas, desprezando totalmente as diferenças de gênero, raça e idade.

Os apoiadores da Reforma omitem que a Seguridade Social é superavitária, conforme anualmente divulgado pela ANFIP. Mas, ainda que o déficit fosse real, seria inaceitável que homens e mulheres passassem a se aposentar sob idênticos requisitos. Elas gastam mais do que o dobro do tempo que eles com o cuidado da casa e da família, e a regra especial para se aposentar constitui um dos poucos mecanismos para compensar os danos causados por tal injustiça. No Brasil, é corriqueira a cena do homem no sofá, enquanto alguma mulher da família, após longo dia de trabalho, cuida da casa e dá atenção aos familiares dependentes. De outro lado, muitos países desenvolvidos passam a regular a licença paternidade, dizendo oficialmente que cuidar dos filhos não deve ser tarefa exclusiva da mãe. E estimulam as empresas a criar medidas neutras, quanto ao gênero, para os profissionais conciliarem trabalho e deveres familiares, incentivando gestores a não punirem funcionários que mais necessitem de flexibilidade para alcançar tal equilíbrio.

Nos lares brasileiros, o homem se ocupa, em média, durante 10 horas semanais com os afazeres domésticos, e a mulher gasta por volta de 21 horas, podendo chegar a 30 se ela estiver vinculada a atividades ligadas à agropecuária e à pesca. A trabalhadora rural, consequentemente, terá um dos mais significativos prejuízos, pois o tempo de contribuição exigido para se aposentar passará de 15 para 25 anos, e a idade, de 55 para 65 anos.

Uma das emendas à PEC 287 estabelece que homens e mulheres precisarão ter 65 anos para poderem se aposentar. Atualmente, as mulheres se aposentam aos 60 anos de idade, após cumprirem um tempo mínimo de contribuição de 15 anos (180 contribuições). A ideia da proposta é também aumentar o tempo mínimo de contribuição, passando para 25 anos de serviço. Tal aumento trará um considerável prejuízo na vida das mulheres trabalhadoras, pois muitas sequer terão condições de se aposentar.

Ademais, pouco se fala sobre o impacto sofrido especificamente pelas trabalhadoras negras. Dos 6,6 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, 92% desses são mulheres e destas, 61% são negras, a maioria trabalhando na informalidade. Essa foi a última categoria profissional a ter os seus direitos trabalhistas integralmente reconhecidos, com a PEC das domésticas, aprovada há cerca de dois anos. A Reforma da Previdência, assim, constituirá um rotundo retrocesso para tal grupo social, que, marcado por situação de histórica desvantagem, apenas recentemente passou a ter direitos básicos reconhecidos.

Outra situação que terá uma nociva repercussão na vida das mulheres será em relação à pensão por morte, pois atingirá uma significativa parcela de idosas, que, em muitos casos, nunca trabalharam fora, exatamente por terem se dedicado aos cuidados da casa e da família. Com a proposta sendo aprovada, o valor do benefício de pensão por morte poderá ficar abaixo do salário mínimo, na medida em que não será mais pago o valor do benefício integral, sendo reduzido a 50%, com 10% a mais por dependente, sem direito de acumular a pensão com um benefício de aposentadoria.

De todo o exposto, depreende-se que o grande prejuízo para todas as mulheres com a aprovação da PEC será a total desconsideração das peculiaridades de sua vida laborativa, devido ao fato de elas possuírem muito mais interrupções na sua trajetória profissional do que os homens, em razão de gestações, de cuidado de familiares dependentes, ou até mesmo do trabalho informal – esse não abarcado pela carteira assinada e pelas demais garantias instituídas ao longo dos anos.

Equiparar homens e mulheres nos requisitos para se aposentar, sem que haja sido atingida a igualdade material na distribuição das atividades de cuidado da casa e da família, e sem considerar as peculiaridades das trabalhadoras rurais e das mulheres negras, é submeter todas a uma vida ainda mais penosa. É não dar valor ao serviço doméstico diário que exercem e as responsabilizar individualmente pelo fardo de equilibrar trabalho e vida pessoal. É desconsiderar opressões históricas e aniquilar o caráter solidário e distributivista da seguridade social. Por isso, é necessário aglutinar forças, a fim de que as ruas brasileiras sigam ecoando as palavras de ordem contrárias à Reforma da Previdência, que tem as mulheres trabalhadoras como as maiores prejudicadas.

Por: Elisa Torelly, advogada na área de Direito Público e Luis Felipe Braun Ávila, advogado na área de Direito Previdenciário

Fonte: DMT em Debate