Parlamentares e convidados cobraram mais empenho do poder público na implantação de medidas que dão efetividade à Lei Maria da Penha (Lei 11340/2006), nesta quarta-feira (17), durante a sessão solene do Congresso Nacional em que foram celebrados os 10 anos da legislação, criada para prevenir e punir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Também denunciaram o perigo de retrocessos em razão de projetos que estão em análise no Legislativo, apresentados sem prévia discussão com a sociedade.
A biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, a quem a lei deve seu nome, participou da solenidade. Depois de duas tentativas de assassinato por parte do então marido, na primeira com um tiro nas costas que lhe deixou paraplégica, ela esperou por quase 20 anos para vê-lo preso. A denúncia que apresentou à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra o Estado brasileiro, por incúria em relação a seu caso, resultou na condenação que levou o país a criar uma lei contra a violência doméstica.
Nobel da Paz
Maria da Penha, que na cerimônia ouviu da senadora Lúcia Vânia (PSB-GO) a notícia sobre iniciativa para que seu nome seja indicado ao Prêmio Nobel da Paz, destacou os avanços trazidos pela lei, como o aumento das penas para o agressor e das condições de segurança para que as vítimas passem a ter coragem de denunciar. Como outros oradores, ela reconheceu, contudo, que ainda existem dificuldades que geram dúvidas sobre a efetividade da norma.
Um dos desafios seria garantir adequada amplitude à rede de serviços que ampara as mulheres em situação de violência, como delegacias e juizados especializados, núcleos de gênero no Ministério Público e nas Defensorias Públicas, centros de referência e casas-abrigo. Maria da Penha enfatizou a necessidade de investimentos em educação, desde a educação básica, para desconstruir a cultura de violência contra a mulher.
— É a cultura que faz com que o homem aprenda na sua casa que agredir é normal, porque viu seu pai agredindo sua mãe, seu avô agredindo sua avó e isso ser justificado como uma conduta natural. Por isso, temos agressões em todos os níveis, juízes agressores, deputados agressores, médicos agressores. Enfim, todo e qualquer homem pode ter se tornado um agressor pela educação que recebeu — alertou.
Avanços
O presidente do Senado, Renan Calheiros, reconheceu a lei como um marco de mudanças comportamentais e culturais que vem salvando vidas, punindo agressores e educando a sociedade. Para ele, as comemorações devem servir de estímulo para novos avanços, até porque, assinalou Renan, os índices de violência ainda são altos. A cada ano, segundo o Ipea, mais de um milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica no país.
— Dessa forma, temos ainda muito a conquistar no que diz respeito à luta contra a violência doméstica, luta essa que é dever de todos nós, perpetuadores que somos, muitas vezes, de costumes arcaicos, ultrapassados e cruéis — afirmou Renan Calheiros.
Observatório da Mulher
Durante a sessão solene também foi anunciado, pela presidente da Comissão Mista Permanente de Combate à Violência contra a Mulher, senadora Simone Tebet (PMDB-MS), a criação do Observatório da Mulher contra a Violência.
O objetivo é reunir informações relevantes sobre a realidade da violência contra a mulher no país. Nessa plataforma, serão consolidadas estatísticas das secretarias municipais e estaduais de saúde, de segurança pública, de assistência social. Com isso, explicou, o Senado poderá entregar ao setor público e toda a sociedade informações que vão permitir o aprimoramento das políticas de combate à violência contra a mulher.
— Se não temos números, se não temos dados, se não sabemos o perfil dessas mulheres — embora saibamos que o problema atinge toda mulher, independente da classe social, da condição financeira, do credo religioso, da cor da sua pele — como poderemos ser eficientes em políticas públicas voltadas a combater esse mal? — indagou.
Desigualdade de gênero
Na presidência da sessão se revezaram duas senadoras: Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), requerente da solenidade, atual procuradora Especial da Mulher no Senado, e a quarta-secretária da Mesa, Ângela Portela (PT-RR). Vanessa enfatizou a correlação entre violência contra a mulher e desigualdade de gênero, inclusive no espaço político-partidário, onde as mulheres estão sub-representadas.
Ela ilustrou a questão com estudo da Consultoria do Senado. Com baixa representação parlamentar, o Brasil está na linha de frente entre as nações em termos de violência, ocupando a quinta posição. Nos estados, também se verifica a mesma correlação. No caso do Espírito Santo, último colocado no mapa da representação política, ocupa o segundo lugar na escala da violência.
— Então, a luta pelo empoderamento, sem dúvida nenhuma, será de grande contribuição para a luta pela diminuição da violência. Porque somente na hora em que, iguais aos homens, nós tivermos a oportunidade de mandar, e não apenas ser mandadas, não apenas ser as cuidadoras, nós seremos tratadas de forma igual e com um menor grau de violência — argumentou.
Concurso de vídeo
A deputada federal Luizianne Lins (PT-CE), que atua como relatora da Comissão Mista de Combate à Violência contra a Mulher, anunciou o lançamento de concurso de vídeo 1 Minuto Contra a Violência, com peças que devem ser produzidas por celular, de até um minuto, com narrativas de histórias de superação de violência domestica. É uma iniciativa da comissão, por sugestão da deputada.
— O concurso vem estabelecer uma campanha permanente de enfrentamento à violência, incentivando e estimulando outras tantas mulheres a romper o ciclo de agressão, a saber que é possível ir além, a ser protagonista de sua própria vida, de seu corpo, de seu coração e de sua mente e, assim, voltar a sonhar! — destacou.
Para conhecer o edital, os interessados podem acessar o sitewww.senado.leg.brconcurso1minutocontraaviolencia. As inscrições serão abertas em 22 de agosto, seguindo até 22 de outubro. Serão selecionados três trabalhos, que vão ser divulgados nos portais da Câmara e do Senado e por meio de suas redes sociais.
Alterações na lei
Tentativas de alterações na Lei Maria da Penha foram criticadas pelas parlamentares. Para senadoras e deputadas, as mudanças contrariam a essência da norma. Foi citado, entre outros, projeto em análise na Câmara que retira do texto todas as referências a “gênero” — termo sociológico e político que enfatiza as desigualdades de poder e direitos entre mulheres e homens — pela palavra “sexo”, conceito do campo da biologia.
Quem também abordou a questão foi a representante do Escritório da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman. Entre 104 projetos que tramitam nas duas Casas, ela destacou o PLC 07/2016, já em análise pelo Plenário do Senado. O texto dá poder aos delegados para estipular medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha, a pretexto de acelerar as decisões. Constitucionalmente, esse tipo de medida cabe aos juízes. Entidades feministas também já se manifestaram contra o projeto, mas mesmo assim ele avançou.
— Começar a mudar partes da lei, começar a mexer com a lei sem consultar as organizações que são cada vez mais conhecedoras da lei é realmente uma forma que não vai dar certo — comentou.
Também participou da solenidade a titular da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres do governo federal, Fátima Pelaes. Ela lamentou que, por medo ou vergonha das vítimas, a grande maioria dos casos de violência doméstica ainda continuem sem enfrentamento, “dentro das paredes de suas casas”. Depois, anunciou que o órgão prepara parceria com o Ministério da Educação para levar a profissionais de educação informação sobre como identificar e denunciar os sinais de violência doméstica.
Fonte: Agência Senado