OPINIÃO

Por Gabriela Maria Fernandes

Impulsionados pelo progresso tecnológico, os equipamentos de comunicação têm sido usados de forma exponencial, possibilitando inclusive a conexão do trabalhador com o seu trabalho em tempo integral.

A utilização de smartphones permite que o empregado tenha acesso ao seu e-mail, receba mensagens de forma instantânea e contato telefônico pelo empregador a qualquer hora do dia, admitindo a produção de trabalho em prol do empregador, ainda que fora do horário de trabalho estabelecido contratualmente com a empresa.

Essa realidade ameaça um dos direitos que levaram anos para serem conquistados pelos trabalhadores: a limitação da jornada de trabalho. A prestação de trabalho de forma parcelada, em razão da interrupção frequente dos períodos de repouso do trabalhador, ainda que por poucos minutos, pode caracterizar a submissão, em tempo integral, do trabalhador a seu empregador.

É nesse contexto, mediante análise do impacto da utilização da tecnologia, que a França aprovou em 2016 a Lei da Desconexão, que prevê amparo aos empregados para que não respondam mensagens eletrônicas, e-mail ou telefonemas de seus superiores depois do horário de expediente. A lei é destinada a empresas com 50 ou mais funcionários e autoriza que empregados e empregadores negociem como será feito o uso de e-mails e aplicativos de mensagens fora do expediente.

Basicamente, o direito à desconexão consiste no direito de o empregado usar seu tempo fora do ambiente de trabalho para atividades pessoais, familiares ou outras de interesse e que não estejam relacionados ao trabalho, até como forma de privilegiar os direitos fundamentais. Em suma, é o direito de não trabalhar fora do seu horário de expediente, bem como de não ter interrompido os seus horários livres e de férias.

Diferente da França, não temos no Brasil uma legislação específica que trata sobre o direito à desconexão do trabalho. No entanto, acreditamos que nosso ordenamento vem se predispondo favoravelmente à regra aprovada pelos franceses. Exemplo disso é a alteração do artigo 6º da CLT pela Lei 12.511/2011, prevendo que a disponibilidade do empregado por meios telemáticos, seja por e-mail, WhatsApp, Telegram ou qualquer outro aplicativo de comunicação remota, configura o trabalho à distância e não se distingue do trabalho realizado no estabelecimento do empregador.

Para a configuração do trabalho à distância, é importante esclarecer que o acesso de forma eventual às mensagens do empregador não assegura que ele está de fato trabalhando, ou seja, pequenos diálogos não significam disponibilidade ao empregador. O fator determinante é a execução contínua da atividade laboral por meio das mensagens.

Além da mencionada alteração legislativa, há discussões jurisprudenciais existentes acerca do tema, como o processo AIRR-2058-43.2012.5.02.0464, em que a 7ª Turma do TST, por unanimidade, desproveu o agravo e um analista de suporte da empresa reclamada obteve o direito de ser indenizado por ofensa ao “direito à desconexão”.

O relator do agravo, ministro Claudio Brandão, afirmou que a evolução tecnológica incuti diretamente nas relações de trabalho, no entanto, é imprescindível que o trabalhador de desconecte a fim de preservar sua integridade física e mental, destacando que “o avanço tecnológico e o aprimoramento das ferramentas de comunicação devem servir para a melhoria das relações de trabalho e otimização das atividades, jamais para escravizar o trabalhador”.

Acrescentou que, trabalhos à distância, onde há permanente conexão por meio do uso da comunicação instantânea, podem configurar uma precarização dos direitos trabalhistas, uma vez que o excesso de jornada é apontado em estudos como uma das razões de doenças ocupacionais relacionadas à depressão e ao transtorno de ansiedade. Nesse contexto, a conexão excessiva concorre para a privação de uma vida saudável e prazerosa pelo empregado.

É válido mencionar ainda que a Súmula 428 do TST determina o pagamento do sobreaviso quando houver “violação à desconexão ao trabalho”. Tal verba adicional trabalhista depende da instrução dada pelo empregador e do contexto em que o trabalho foi prestado. Nos casos em que o acesso ocorre fora do período de trabalho a pedido da empresa, haverá a configuração de trabalho fora do expediente, mesmo que o celular pertença ao trabalhador, uma vez que seu tempo livre é tomado para responder mensagens, em razão da obrigação de permanecer em local com acesso a sinal de telefone e internet.

Embora haja previsão legislativa e algumas decisões sobre trabalho à distância fora do expediente, não há uma delimitação exata em nosso ordenamento acerca de como esse ato se configura, uma vez que são muitas minúcias para configurar ou não horas extras, como o limite diário da jornada de trabalho e o uso dos meios eletrônicos como prova nos autos.

Há uma disposição natural de que o trabalho à distância se torne cada vez mais utilizado como forma de produção, uma vez que possui como características a economia de tempo despendida pelo empregado e a facilidade na prestação do serviço, o que pode gerar como consequência a dificuldade em determinar o que é ou não tempo de trabalho e o tempo que se está disponível para o empregador, tornando evidente a importância e a relevância da discussão acerca do direito à desconexão.

Em termos comparativos, conclui-se que nossa legislação trabalhista não atinge de maneira eficiente essa nova realidade. Contudo, não se pode olvidar que o uso de novas tecnologias de informação e comunicação no âmbito do ambiente de trabalho já é pauta de debate dos nossos tribunais que analisam a complexa discussão da jornada de trabalho e os direitos fundamentais sociais, o que demonstra a preocupação em acompanhar as tendências do mundo atual e na forma como o Direito do Trabalho deve encarar a jornada de trabalho, tendo em vista a utilização de dispositivos digitais de forma permanente.

Gabriela Maria Fernandes é advogada do Rodovalho & Estrela Advocacia.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 2 de julho de 2018