Os primeiros grandes intérpretes do patrimonialismo brasileiro são os juristas Vitor Nunes Leal (em sua obra “Coronelismo, voto e enxada: o munícipio e o regime representativo no Brasil”) e Raymundo Faoro (“Os Donos do Poder: a formação do patronato político brasileiro”).
Ambos, ainda que a partir de pontos diferentes, conseguiram lançar as primeiras luzes sobre o funcionamento e a organização do poder no Brasil, mostrando que este sempre foi exercido por uma elite descompromissada com os interesses do desenvolvimento do País como nação, forjada na conveniência dos interesses pessoais, representada pela obra literária de Jorge Amado, como nos romances “São Jorge dos Ilhéus” e “Gabriela Gravo e Canela”.
Nunes Leal partiu da análise das relações de poder exercidas nos munícipios e grotões, microcosmos nos quais os interesses do mando constroem sua organização de poder e de onde dirigem sua influência na formação do Estado, instrumentalizada mediante o controle das instituições estatais por um grupo de correligionários.
Constitui-se assim uma grande família (expressão nossa) formada pelo laços do “filhotismo”, cujo mandamento principal é “para os amigos tudo, aos inimigos o rigor duro e cruel da lei”.
Faoro faz seu campo de observação a partir do processo de colonização portuguesa, que nos legou a forma de organização política estruturada no Brasil.
Desta forma, os atuais donos do poder são os descendentes de portugueses, que introduziram um modo de pensar e um agir político influenciados pela cultura latina, na qual as relações de proximidade pessoal serviram de base para a formação do Estado patrimonialista brasileiro, que tem como característica a condução do País por uma elite desinteressada do desenvolvimento nacional e sem nenhuma preocupação com o destino da maioria da sua gente.
Independentemente das diversas críticas às duas interpretações acima apresentadas, como fez recentemente Jessé de Souza (em “A tolice da Inteligência Brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite”), que questionou principalmente a obra de Faoro, pode-se afirmar que o pensamento dos dois juristas continua atual no Brasil de hoje, tomado pelo ódio de uma manipulada luta de classes que joga brasileiros pobres e explorados uns contra os outros.
Não queremos, com isto, negar a existência de luta de classes no Brasil, onde a exploração do capital pelo trabalho, como em todo o mundo, aumenta cada vez mais, tendo em vista a concentração exponencial da renda nas mãos de um número cada vez menor de indivíduos, que se tornam cada vez mais ricas.
Com efeito, quando me refiro à manipulação da luta de classes no Brasil, tenho em mente que tanto os trabalhadores brasileiros (dos mais miseráveis aos da classe média) quanto os empresários (industriais, comerciantes, prestadores de serviço, agricultores e microempreendedores) sofrem um contínuo e duríssimo processo de exploração de sua força de trabalho e de seu capital, que lhes retira inteiramente a capacidade de resistência política, social e econômica, uma vez que as forças produtivas tem sido apropriadas pelo capital especulativo internacional.
Como escrevi anteriormente, não são apenas os trabalhadores condenados com a retirada de direitos fundamentais e essenciais, decorrente do corte dos investimentos em saúde, educação, direitos trabalhistas e previdenciários, mas afetados também os empresários brasileiros, muitos dos quais estão se deparando com a necessidade de vender a preços baixos suas fábricas e terras, enquanto outros são diariamente forçados a fechar lojas, empresas e estabelecimentos diversos.
A elite brasileira parece não ter a capacidade de compreender que o projeto político e econômico em curso, por ela apoiado cegamente, está retirando de si mesma a capacidade de comando político (certo ou errado, não importa neste momento a análise), construída ao longo de séculos, como observado por Nunes Leal e Faoro.
Ao ser determinada a destruição de todo o complexo industrial de engenharia nacional, como se fez por meio da estranhíssima “Operação Lava Jato”, retirou-se das empresas brasileiras o imenso mercado de obras públicas no Brasil, então entregue a empresas estrangeiras e, em consequência, passou-se a utilizar aqui a mão de obra vinda de outros países.
Além disso, os equipamentos e insumos necessários às atividades passaram a ser comprados em outros lugares, trazendo ainda maiores dificuldades às empresas conectadas de alguma forma com aquela cadeia produtiva. O mesmo acontece ao se permitir o desmonte da Petrobras. As petroleiras estrangeiras irão dominar com exclusividade a exploração do nosso petróleo, que doravante só trará benefícios para elas, que, inclusive, não precisarão pagar qualquer tributo, conforme a lei aprovada pela elite que compõe o atual governo e o Congresso Nacional.
Nossos campos tem sido dominados por estrangeiros, que compram barato as nossas terras e utilizam mão-de-obra estrangeira e máquinas, tecnologia e insumos agrícolas produzidos em seus respectivos países. O mesmo tem ocorrido no campo da educação, no qual escolas e universidades, antes de propriedade de brasileiros, estão hoje sob o controle de fundos de investimento estrangeiros, se assenhorando também dos segmentos de saúde, segurança, comunicação social, previdência privada, finanças, transportes, infraestrutura, informática, livrarias etc.
É o maior processo de desnacionalização visto em tempos recentes, a partir do qual a elite brasileira perde o controle de seus negócios e em breve perderá completamente o poder de influência política interna, quando será finalmente relegada a um papel inexpressivo, limitado à mera repressão, a ser executada por uma burocracia judicial sem qualquer capacidade de compreensão da sua função, da mesma forma que foi delegada no passado pela elite brasileira aos capitães do mato.
Assim, por culpa exclusiva de sua elite, que comete suicídio, ao Brasil e ao povo brasileiro é imposta a mais dura subserviência colonial, que poderá nos condenar por décadas a uma posição de subalternidade, a exemplo do que ocorreu com a China após a derrota nas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860).
Por: Jorge Rubem Folena de Oliveira
Fonte: Carta Capital