Com este artigo, inicio uma série de textos elaborados a partir de debates e palestras que realizei sobre a reforma trabalhista, buscando formas de sistematizar e contextualizar os problemas e enfrentar o desafio de pensar caminhos a serem trilhados pelo movimento sindical em cenário extremamente complicado.
Não é novidade que as dificuldades a serem enfrentadas são enormes. Contudo, a história nos autoriza a pensar que tudo muda o tempo todo; que no jogo social se disputa no presente as possibilidades de futuro; que alternativas se colocam e que tudo está sempre em aberto; que não há resultado definitivo, pois toda derrota pode ser revertida; um ônus pode se transformar em oportunidade; uma dificuldade pode mobilizar a criação de nova força de reação; há possibilidades de se caminhar para o inédito e o inesperado.
A história ensina que, para os que lutam a partir da perspectiva dos trabalhadores, somente há a luta, contínua e difícil, que há dois séculos possibilita avanços sociais e patamares superiores de civilização. Por isso, em frente e na luta!
Mas a luta requer Inteligência, objetivos claros, estratégia e muita unidade daqueles que cerram a mesma trincheira. É imperioso compreender o que ocorre e, a partir da situação presente e do movimento geral da história, traçar estratégias.
Esta série de artigos começa com a apresentação do contexto em que é promovida a maior reforma trabalhista e sindical já feita no Brasil, que terá impactos profundos sobre o sistema de relações de trabalho, a organização sindical e a proteção do trabalho.
Nosso “consolo” é que não estamos sós! Estudo publicado pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) – Drivers and effects of labour market reforms: Evidence from a novel policy compendium -, produzido pelos pesquisadores Dragos Adascalieti e Clemente Pignatti Morano, indica que reformas legislativas laborais e de mercado de trabalho foram realizadas em 110 países entre 2008 a 2014.
O fundamento comum observado nas diversas iniciativas de reformas, no contexto da grave crise e estagnação econômica com desemprego, foi o de aumentar a competitividade das economias (leia-se reduzir o custo do trabalho) e criar postos de trabalho (leia-se flexibilizar contratos de trabalho para gerar ocupações precárias).
Observam-se ações para reformar a legislação do mercado de trabalho, especialmente no que se refere aos contratos permanentes, e reestruturar as instituições da negociação coletiva (processos de negociação, legislação, sindicatos). As duas dimensões estão presentes, com maior ou menor intensidade, na maioria dos projetos de reforma implementados.
Um olhar geral mostra que a maioria das reformas diminuiu o nível de regulamentação existente. Foram observadas e analisadas 642 mudanças nos sistemas laborais nos 110 países. Em 55% dos casos, as reformas visaram a reduzir a proteção ao emprego, atingindo toda a população, tinham caráter definitivo, produzindo uma mudança de longo prazo na regulamentação do mercado de trabalho.
O desemprego crescente e duradouro criou o ambiente para catalisar as iniciativas de reformas e disputar a opinião da sociedade sobre elas. De outro lado, os resultados encontrados no estudo não indicam que as reformas do mercado de trabalho tenham gerado efeitos ou promovido mudanças na situação do desemprego.
Vale prestar muita atenção ao fato de o estudo indicar que mudanças como essas na legislação trabalhista, realizadas em período de crise e que visam a reduzir a proteção, podem aumentar a taxa de desemprego no curto prazo. Também não se observou nenhum efeito estatístico relevante quando essas mudanças foram implementadas em períodos de estabilidade ou expansão da atividade econômica. Mais grave ainda, as reformas “liberalizadoras”, que facilitam o processo de demissão, tenderam a gerar aumento do desemprego no curto prazo. Esses resultados são corroborados por outros estudos produzidos pelo FMI e pela OCDE, em 2016.
Do total de reformas, destacam-se aquelas que diminuem os níveis de regulação, das quais: 74% trataram de jornada de trabalho, 65% de contratos de trabalho temporário, 62% de demissões coletivas, 59% de contratos permanentes, 46% de negociações coletivas e 28% de outras formas de emprego.
O Brasil se integra a este movimento de desregulação do mercado de trabalho, flexibilizando as formas de contratação com um menu muito variado de possibilidades de ocupações precárias que se tornam legais; permitindo a redução estrutural dos direitos laborais, em especial dos salários; limitando e inibindo o acesso à justiça do trabalho; criando regras para que as empresas que cometem ilegalidades trabalhistas fiquem livres de passivos; quebrando os sindicatos e desprotegendo os trabalhadores.
Integramos (e entregamos) o Brasil à “modernidade” da economia globalizada pelo sistema financeiro e investidores, ávidos por lucros crescentes, desejosos de um mercado de trabalho flexível, para ajustar o custo da mão de obra e alocar o volume de trabalho necessário à produção em determinada unidade de produção e no tempo.
Esta lógica tem um sentido: produzir mais renda e riqueza e concentrá-las. Esta lógica também entrega outros resultados: o acentuado crescimento da desigualdade, a expansão da pobreza e da miséria, a precarização dos empregos, o arrocho dos salários e da renda das famílias, o aumento da jornada de trabalho, o surgimento de doenças laborais associadas ao estresse e à ansiedade.
A massa salarial diminui e a insegurança aumenta. O consumo cai e os mercados internos entram em depressão. A economia anda de lado e eles se perguntam o que fazer. Mas quem são eles?
Por: Clemente Ganz Lúcio
Fonte: Brasil de Fato