A proposta alternativa de Reforma Tributária apresentada pela oposição ao governo Jair Bolsonaro defende a redução na tributação sobre consumo e produção e a taxação da alta renda e do grande patrimônio. Lideranças partidárias ouvidas pelo blog também defendem a unificação de impostos, presente em outros projetos tramitando no Congresso Nacional. Mas alertam que para o processo ser chamado de “reforma” e não de “simplificação tributária”, o Brasil deve deixar de ser um “Robin Hood às avessas” – que taxa de forma mais pesada os que pouco têm para garantir tranquilidade aos que já contam com muito.

“Nosso projeto de Reforma Tributária quer cobrar mais dos muito ricos e aliviar os trabalhadores e quem depende da cesta básica”, afirma a deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ), líder da Minoria. O pacote do PT, PSB, PDT, PSOL, PC do B e REDE, que está sendo chamado por eles de “Reforma Tributária Sustentável, Justa e Solidária”, deve ser apresentado, oficialmente, às 14h, desta terça (8), em um evento no Salão Nobre da Câmara dos Deputados.

Por “muito ricos”, a proposta entende quem recebe herança de mais de R$ 16 milhões, conta com patrimônio equivalente a 8 mil vezes o teto de isenção do Imposto de Renda ou conte com jatinhos na garagem. Ou seja, exclui praticamente toda classe média.

Fatura deve ser paga pelos (muito) ricos

A simplificação é medida necessária para facilitar a vida do cidadão e retirar o obstáculo de quem empreende no Brasil, mas insuficiente para corrigir as injustiças do sistema tributário. Essa é a avaliação do líder da oposição na Câmara dos Deputados, Alessandro Molon (PSB-RJ). “E é isso o que a nossa proposta ataca. Hoje, a classe média e os trabalhadores carregam o país nas costas, os super ricos pagam muito pouco ou quase nada.”

Isso é corroborado por Afonso Florence (PT-BA) e vice-líder da Minoria na Câmara. “A nossa proposta vai muito além da simplificação. Ela constitucionaliza a progressividade na cobrança de impostos, a tributação de renda e patrimônio dos muito ricos e a revogação da isenção da taxação de dividendos dos que ganham muito”, afirma. “Quando explicamos que queremos taxar os grandes, estamos falando de pessoas que recebem dezenas de milhões de reais isentos, sem tributar.”

Impostos progressivos são os que a alíquota aumenta à medida em que cresce os valores sobre os quais ela incide. Grego? Bem, em outras palavras, a porcentagem de cobrança cresce quanto mais alto for a renda.

Sobre as críticas de que isso significaria aumento de impostos, Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que coordenou o estudo que fundamentou a proposta, afirma que ela vai manter a carga tributária inalterada no país. Mas destravar o crescimento.

“Nossos cálculos mostram que você pode reduzir R$ 350 bilhões de tributação sobre consumo e produção ao longo do tempo e, por outro lado, aumentar a tributação sobre renda e patrimônio na mesma proporção. Isso vai fazer com que o Brasil chegue um pouquinho mais perto dos países da OCDE, o clube dos países mais ricos, em termos de justiça social”, explica.

O projeto tramita como uma emenda substitutiva à Proposta de Emenda à Constituição 45/2019, apresentado por Baleia Rossi (MDB-SP) e idealizado pelo economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal. A PEC substitui os tributos federais (IPI, PIS e Cofins), junto com o estadual ICMS e o municipal ISS pelo Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS). A PEC é a proposta com debate mais avançado até agora.

Dois impostos únicos 

A proposta da oposição prevê a extinção de tributos que incidem sobre o consumo – a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS/Pasep), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). E a redução na arrecadação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), no Simples Nacional e na contribuição patronal sobre a folha de pagamentos para a Seguridade Social.

Em seu lugar, defende a criação de um Imposto sobre Valor Adicionado – o IVA seria de competência estadual e municipal, com tributação no destino e alíquota única. E uma Contribuição Social sobre o Valor Adicionado (CSVA), que ficaria com a União, substituindo as contribuições federais, que seria cobrada como um adicional sobre o IVA. O destino seria a Seguridade Social.

A diferença com a PEC 45/2019, que propõe um IBS único, é que haveria uma separação de competências antecipadamente: Estados e Municípios arrecadariam o IVA e a União ficaria com uma parcela do novo CSVA.

Também seria criado um Imposto sobre Exportação de Produtos Primários e Semielaborados, devolvendo aos Estados a decisão sobre tributação de exportações dessas mercadorias. As unidades da federação agradecem, mas o agronegócio e a mineração vão chiar.

“Teremos que ajustar a transição para que impostos sejam cobrados exclusivamente no destino e não mais na origem. Há modelos com transição de até 20 anos, que acho muito lentos porque os Estados que são vítimas de desigualdade regional perderão os incentivos fiscais que usam hoje para atrair empreendimentos. Você tem que ter outro mecanismo de compensação”, afirma o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), que é um dos que subscrevem o projeto.

“Os estados produtores, contudo, também têm que ter segurança nessa transição. Um comitê com os secretários estaduais de Fazenda poderia garantir que isso seja colocado em prática, fazendo com que estados produtores e consumidores ponham fim à guerra fiscal”, explica.

A proposta quer que alimentos da cesta básica, medicamentos essenciais, transporte público coletivo, saneamento básico, entre outros itens, fiquem isentos de imposto.

Contribuição pelo Meio Ambiente

Outro ponto de diferenciação das outras propostas em trâmite é a dimensão ambiental. Ela inclui a extinção da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) – Combustíveis e a criação da Cide-Ambiental. Incidiria sobre atividades de importação ou comercialização de petróleo, gás natural e derivados, álcool combustível, atividades mineradoras de alto impacto e atividades fortemente poluidoras ou ambientalmente degradantes.

A União repassaria 35% dos recursos para Estados e Distrito Federal e 25% para os municípios. Os recursos teriam que ser empregados em projetos alinhados aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, das Nações Unidas, e no incentivo à produção, industrialização e comercialização de produtos orgânicos e agroecológicos.

Outra Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), essa para a Saúde seria criada por lei complementar e taxaria tabaco e bebidas alcoólicas e o valor seria destinado à Saúde.

Patrimônio de milionários e bilionários

A proposta altera o Imposto Territorial Rural (ITR), tornando efetivamente progressiva a cobrança desse “IPTU do campo” conforme o tamanho da propriedade e regressivo em relação ao nível de utilização. Ou seja, áreas gigantes e improdutivas pagariam muito e quem é pequeno e produz não pagaria nada.

“O grande proprietário rural não paga ICMS de exportação, paga um imposto sobre o seu patrimônio muito baixo e ainda por cima demanda estradas, rodovias, ferrovias”, diz Afonso Florence.

Não é um ponto fácil de ser aprovado, considerando a correlação de forças. “Não tenho dúvida de que a maioria esmagadora da sociedade brasileira é a favor de mudança do ITR”, afirma Molon. “Mas a composição do Congresso representa a sociedade de forma distorcida. Os representantes do agronegócio são muito mais numerosos do que na sociedade brasileira. Mas é necessário discutir esse ponto dada a extrema concentração fundiária e de riqueza.”

O projeto também inclui aviões, helicópteros, veleiros e lanchas na incidência do IPVA, mantendo um critério de diferenciação de cobrança conforme o uso – o que excluiria barcos de pescadores e de populações tradicionais, por exemplo. Hoje, carros pagam imposto de propriedade, mas jatinhos, não.

Também torna mais robusto o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos), que taxa heranças e doações, cujas alíquotas máximas são consideradas pequenas pela oposição. Nesse contexto, também institui o Imposto sobre Grandes Heranças, nos moldes daquele existente nos Estados Unidos, em que doações para fundações destinadas à promoção da educação, saúde, ciência e tecnologia são isentas. Heranças acima de R$ 16 milhões seriam especialmente tributadas.

A proposta também quer criar o Imposto sobre Grandes Fortunas, que incidiria de forma progressiva sobre patrimônio líquido que supere 8 mil vezes a faixa de isenção do Imposto de Renda. O que, hoje, significaria mais de R$ 19 milhões.

Reduzir o Imposto de Renda para a classe média

A proposta defende que seja organizada uma tabela progressiva do Imposto de Renda das Pessoas Físicas. Os estudos técnicos que inspiraram a oposição, por exemplo, sugerem uma elevando da faixa de isenção para quatro salários mínimos e uma modulação das faixas seguintes em 7,5% (mais de quatro a sete); 15% (sete a dez); 22,5% (dez a 15); 27,5% (15 a 40); 35% (40 a 60) e 40% (mais de 60). De acordo com os cálculos que foram usados na organização da proposta, 38,55% dos declarantes estariam isentos, 48,7% seria desonerados, 10% manteriam a contribuição atual e 2,73% seriam mais tributados do que hoje.

A taxação de dividendos distribuídos aos sócios e acionistas de grandes empresas, que era vigente no país desde 1995, também está sendo proposto. O tema não é novo, tampouco restrito à esquerda. Durante o governo Michel Temer, o então ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, realizou estudos sobre isso (apenas o Brasil e a Estônia isentam dividendos), considerando também reduzir o Imposto de Renda das empresas. Mas receberam uma enxurrada de críticas dos mais abonados. Depois, nas eleições, praticamente todos as candidaturas defenderam o retorno da taxação, que era de 15% antes do governo Fernando Henrique Cardoso.

Pela proposta, o imposto seria retido na fonte no momento da distribuição dos dividendos. Estariam excluídos dessa mudanças as micro e pequenas empresas e os microempreendedores individuais. Também seria revogada a permissão da dedução de juros sobre o capital próprio para o lucro tributável.

Também é prevista a criação da Contribuição Social sobre Altas Rendas da Pessoa Física, com uma alíquota de 7,5% sobre a renda das pessoas físicas que for superior a R$ 1,2 milhão por ano. O objetivo é suprir, em parte, as receitas da Seguridade Social perdidas com a proposta extinção do PIS/Cofins.

Mudar o Imposto de Renda das empresas

A proposta quer reduzir o limite do faturamento anual do Simples de R$ 4,8 milhões para R$ 2,4 milhões. Ou seja, R$ 200 mil por mês, em média. Para esse grupo que restar, seriam reduzidas as alíquotas de impostos pela isenção de cobrança da CSLL.

O Imposto de Renda de Pessoa Jurídica ficaria restrito a apenas dois regimes: o lucro real e o simples (para as micro e pequenas empresas), sendo extinto o lucro presumido. Também seria revogado o benefício fiscal sobre capital próprio. Para evitar evasão, o projeto prevê medidas para restringir a utilização de paraísos fiscais.

Jandira Feghali prevê que a maior resistência será exatamente no ponto central da proposta alternativa da oposição, que é garantia da progressividade dos impostos – além da questão do IVA para os Estados e Municípios e sua partilha. “O Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] sinalizou que pode colocar a questão da tributação dos dividendos em debate. Mas as mudanças sobre heranças e grandes fortunas têm maior possibilidade de não serem aceitas.”

Ela acredita que há uma possibilidade real de passar o retorno da taxação de dividendos, uma vez que o capital financeiro não é bem representado no Congresso, ao contrário do agronegócio, por exemplo.

A oposição contou com assinaturas para que a sua emenda que pretende substituir a PEC 45/2019 fosse apresentada. Mesmo que todos os que a subscreveram a apoiem em uma votação, o que é difícil, ainda assim representam uma minoria caso o Centrão feche questão com o projeto de Appy ou qualquer outro. Mas, apostam no debate. Feghali e Afonso Florence explicam que, com base na proposta, foram organizadas emendas de bancada para negociação no plenário.

“A Reforma da Previdência não era solução para o crescimento da economia, mas sim a Reforma Tributária – que sempre foi bandeira nossa. Queríamos que a Tributária fosse feita antes da discussão da Previdência, mas não era o interesse do governo”, afirma a deputada.

“No cardápio do governo Bolsonaro, a superação da crise fiscal é o sacrifício dos que menos têm. Nossa proposta é útil porque mostra que é possível fazer algo diferente, impondo sacrifício aos segmentos bilionários e milionários da sociedade e não aos mais pobres”, afirma Flávio Dino.

FonteUOL
Texto: Leonardo Sakamoto
Data original da publicação: 08/10/2019