A Emenda Constitucional 95, segundo o professor Gil Vicente Reis Figueiredo, prejudica o ensino superior público
Se não for revertida, a Emenda Constitucional 95 — a chamada PEC do Teto dos Gastos — terá como resultado a inviabilização do ensino superior público no Brasil.
Essa foi a leitura do professor Gil Vicente Reis Figueiredo, da Universidade Federal de São Carlos, que fez a palestra principal da conferência “EC 95: O Colapso da Pesquisa e da Educação no Brasil”, realizada em Porto Alegre nesta quinta-feira (3) e promovida pelo Sindicato Intermunicipal dos Professores de Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (ADUFRGS Sindical) e pela Proifes (Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior e de Ensino Básico Técnico e Tecnológico).
O professor destacou que o investimento público na área está regredindo a patamares de 2010 e que, se nenhuma medida contrária for tomada, as universidades não terão outra alternativa a não ser passar a cobrar mensalidades.
Gil Vicente abriu sua palestra destacando que, a partir da implementação da emenda constitucional 95, o percentual do PIB brasileiro que vai para a educação está voltando a patamares na década passada.
Ele apontou que, em 2000, 4,5% de todo o produto nacional era investido em educação. Em 2014, esse percentual chegou aos 6% e, de acordo com o Plano Nacional de Educação, aprovado naquele ano, deveria chegar a 10% em 2015. Contudo, o último dado disponível aponta para recuo para a casa dos 5,5%, mesmo patamar de 2010.
Ele afirma que, como consequência da aprovação da EC 95, a projeção é que, entre 2016 e 2026, os gastos do governo federal com pagamentos de juros e encargos da dívida subam de 3,5% para 6,5% do PIB. Por outro lado, com o congelamento dos gastos em áreas sociais e sua limitação à reposição da inflação, essas áreas devem passar de 8% para representar apenas 5,5%
O professor destaca que, como é difícil comprimir ainda mais os já escassos gastos sociais, o resultado será uma forte pressão sobre os investimentos nas universidades, que, na verdade, já vem ocorrendo nos últimos anos. Em 2015, o orçamento de todas as universidades federais somadas foi de R$ 13 bilhões. Em 2017, esse valor caiu para R$ 8,7 bilhões e a previsão para este ano é que sejam gastos R$ 5,9 bilhões, menos da metade do despendido há três anos.
O mesmo cenário se repete para os institutos federais, com queda de R$ 7,9 bilhões, em 2015, para R$ 2,8 bilhões neste ano. Segundo sua apresentação, a redução dos investimentos em pesquisa, ciência e tecnologia chega a 60% em cinco anos.
“Imagina um curso de Medicina que começou há dois anos. Como é que você continua? As pessoas têm que estar no terceiro, no quarto, quinto ano, e onde estão os professores que deveriam ser contratados? Não estão. Em todo esse processo de expansão, que é truncado abruptamente, ele gera uma descontinuidade que é um desastre completo”, afirma.
“Como é que você vai dar bolsas compatíveis que as pessoas precisam se você de repente corta o número de bolsas, diminui o valor numérico dessas bolas? Você não resolve esses problemas a menos que você diga: ‘Não é mais inconstitucional dar recursos para as áreas sociais. Se a gente não mudar isso, não tem futuro a educação. As universidades vão ter que discutir o que a grande imprensa já tá falando, estudantes vão ter que pagar. A mesma velha história que os setores reacionários sempre disseram”, complementou.
Como consequência desses cortes, ele diz que serão acentuadas medidas já em andamento, como o congelamento de contrações para as instituições, congelamento nominal dos salários, o corte em gratificações e remunerações extrasalariais dos servidores e o declínio nas verbas de custeio, que neste ano já devem ser 20% inferiores ao que eram no início do declínio.
Segundo ele, a EC 95 vai levar as áreas sociais a um cenário de inviabilização, mas vai afetar especialmente as universidades federais, que não terão outra opção, diante do corte profundo de gastos e investimentos, a não ser se privatizarem internamente, passando a vender serviços, ou a cobrar dos alunos. “É um quadro de inviabilização da ciência e da tecnologia”, afirma.
Como financiar a pesquisa?
Para Gil Vicente, a discussão sobre essa questão impõe duas perguntas: é necessário que se investa 10% do PIB em educação e de onde viria o dinheiro para financiar a área? Em relação ao primeiro questionamento, ele destaca que os 10% são necessários para que seja universalizada a educação inclusiva e de qualidade em todos os níveis. Com relação ao financiamento, ele destacou que esse patamar poderia ser alcançado a partir de mudanças na política tributária.
O professor apresentou um gráfico comparando as fontes de arrecadação de impostos de Brasil, Argentina, Canadá e EUA, salientando que os dois últimos cobram mais de duas vezes e meia tributos de renda do que os primeiros, mas essa proporção se inverte quando se fala da tributação do consumo. Segundo ele, sobraria recursos para a educação e outros serviços públicos se essa lógica fosse invertida. “O problema não é só que a gente tira de quem não tem, mas damos pra quem tem demais”, afirmou.
Mas, ainda dentro do cenário atual, ele apontou que esses 5% de acréscimo entre o que é aplicado agora e se pretendia alcançar em 2015 poderiam ser conseguidos com algumas medidas, tais como: manutenção da destinação dos royalties do petróleo (+0,8% do PIB ao ano) – o que foi prejudicado pela aprovação do Projeto de Lei do Senado 131, de autoria de José Serra (PSDB), que revogou a obrigatoriedade da participação da Petrobras no modelo de partilha de produção do petróleo –; a imposição de maior tributação sobre a exploração mineral (+0,4%), que hoje paga impostos baixos, na casa de 2%; a retomada da CPMF progressiva, com as maiores movimentações pagando alíquotas maiores (+1,4%); a taxação sobre especulação financeira que, em 2015, movimentou R$ 60,5 trilhões no Brasil, ou 10,3 PIBs, o que poderia ser feito pela imposição de uma alíquota de 0,1% sobre transações em bolsa (+1%); a regulamentação sobre as grandes fortunas, prevista na Constituição (+0.3%); e a redução das desonerações tributárias, que, em 2016, alcançaram R$ 91 bilhões (+1,5%).
Precarização e privatização do ensino
Paulo Machado Mors, presidente da Adufrgs, destaca que a consequência da implementação da EC 95 e das políticas do governo federal é o aumento da privatização do ensino em geral. “Os grandes conglomerados que usam a educação como mercadoria, já estão atacando na educação básica, não apenas no ensino superior. E essa é a maneira de privatizar, degradando a educação pública, você privatiza. Você dá campo para a ação do mercantilismo, então certamente sim. Isso é um plano muito bem pensado, de tirar do estado a responsabilidade pela educação”.
Ele destaca que esse movimento não está acontecendo apenas no Brasil, mas a nível internacional, inclusive com pressões para que a Organização Mundial do Comércio deixe de considerar a educação como direito básico e dever do estado, e passe a tratar o setor como serviço.
A consequência dessa mercantilização do ensino, para Mors, é a promoção de uma educação de baixa qualidade, com as melhores condições reservadas apenas para quem pode pagar caro por isso e, consequentemente, aumento da desigualdade social. “No ensino superior, por exemplo, as boas instituições privadas são aquelas que não têm um proprietário, que são de uma comunidade e que tem pesquisa, vale dizer financiada pelo poder público.
A pesquisa de qualidade, mesmo dentro das instituições privadas, é feita, essencialmente, com recursos públicos. As outras instituições privadas de educação superior, que são propriedade de grupos financeiros, na verdade são vendedoras de diploma barato. Os americanos chamam de faculdade de garagem, eu chamo de faculdades caça-niqueis, de shopping center. É a faculdade cujo Restaurante Universitário é o McDonalds”, afirma.
Para os professores, outra consequência dos cortes em pesquisa, ciência e tecnologia é um modelo de nação submissa ao capital internacional. “Nós vamos voltar a ter um povo deseducado, sem perspectiva, nossa ciência e tecnologia estão sendo destruídas, vamos voltar a ser apenas vendedores de grãos e bois para o exterior e estaremos à mercê da vontade do capital rentista, que vem aplicar, não investir no País”, diz Mors.
“O Brasil tenderá a ser um País exportador de commodities, não um País que tem pesquisa, ciência e tecnologia e se coloca numa posição competitiva científica e tecnológica em relação ao mundo. É um projeto, na verdade, que afeta a soberania nacional. É uma irresponsabilidade total, não só em termos de não dar o serviço que as pessoas precisam, mas em relação ao futuro do nosso País. É um País que terá um futuro subalterno a prevalecer a Emenda Constitucional 95”, complementa Gil Vicente.
Edição: Redação Sul 21